Poema Visual-Diego Medeiros

Aqui existem centenas de fantásticos poemas visuais.

Cinema-Paris,te amo (Paris,je t'aime)

Há filmes que assistimos e pensamos-como eu não tinha nem ouvido falar desse filme?Paris,te amo,é um desses filmes fantásticos e praticamente desconhecidos ,que deixa uma impressão de beleza,paz,que leva a pensar que nem tudo está perdido para o morno cinema mundial.
A obra é uma coletânea de 21 curta-metragens,dirigidos tanto por nomes consagrados quanto por(ainda)quase desconhecidos.Em toda a coletânea,há altos e baixos,mas a qualidade é sempre muito superior à do atual'cinemão'.Os curtas correspondem a estórias que se passam nos diferentes 'arrondissements'(divisões administrativas de Paris).
É uma experiência única assistir esse filme,pela maneira como as estórias são contadas,pela ausência de uma preocupação de sempre causar 'empatia' com o público,pela não linearidade de muitos curtas,que são simples e diretos,sem pirotecnias narrativas.O amor e suas contradições,a angústia inerente à vida,os nossos eternos encontros e desencontros,a velhice,a morte,a esperança são temas tratados nos curtas,de formas muitas vezes inusitadas e fantásticas.E há,claro,Paris,uma das cidades-fetiche do planeta(assim como Nova York,Tóquio ou o Rio),capital cultural(ainda) e cheia de lugares de grande beleza,de monumentos que são testemunho da tradição cultural francesa.
Meus favoritos são:XVIe arrondissement(de Walter Salles e Daniela Thomas)-Uma moça nina seu bebê com uma canção espanhola-'Qué linda manito',antes de deixa-lo na creche e ir para o trabalho como babá em uma residência luxuosa onde nina outro bebê com a mesma canção.Primor de simplicidade e emoção.
Tour Eiffel-um par de mímicos é preso e se apaixona.Totalmente anti-convencional e fantástico.
Place des Fêtes-Um nigeriano apunhalado está morrendo na place des Fêtes,e é atendido por uma paramédica a quem pede um café.Ficamos sabendo então que ele se apaixonara por ela um tempo antes.Quando ela chega com o café ele morre.Comovente,sem ser melodramático.Um dos mais tocantes curtas da série.
La Madeleine-Um mochileiro americano(Elijah Wood)é atacado e se apaixona por uma vampira.Usa e abusa de um fantástico que se quer como que realista.
Père Lachaise-Um casal inglês em visita ao famoso cemitério,briga e termina seu relacionamento.São porém chamados à verdade pelo fantasma do grande escritor irlandês Oscar Wilde(que está enterrado no Père Lachaise)
E o que mais gosto-XIVe arrondissenment-Uma americana de meia idade,de Denver,no Colorado,onde trabalha nos correios,visita Paris pela primeira vez,depois de anos estudando francês e a cultura francesa.Andando pelas ruas da cidade,ela recita seu amor por Paris,fechando a coletânea com chave de ouro.
Um filme obrigatório,pela sensibilidade e pelo trabalho de dar muitas vozes à uma cidade ímpar.

Petição-Diga não à pena de morte para os gays em Uganda

A África é o continente que concentra o maior número de leis que punem os homossexuais com penas de prisão e em alguns casos,até mesmo a pena de morte.Uma campanha insuflada por religiosos de extrema direita pretende implantar a pena de morte para os gays também em Uganda,expondo assim uma das manchas de um continente,que sabe-se lá porque(e à margem do politicamente correto)recusa-se a adentrar a modernidade e o respeito às diferenças.
Uma petição está circulando pela Europa,América Latina e EUA,para pedir ao presidente de Uganda o não-sancionamento dessa lei absurda,desumana e hedionda.E a União Européia tem ameaçado o país com sanções se a lei for aprovada.
Vamos colaborar.Assinem AQUI a petição online.
Obrigado a todos por colaborar.Um abraço.

Poesia-Encontro(Cecília Meireles-1901-1964)

Desde o tempo sem número em que as origens se elaboram,
se estendem para mim os seus braços eternos,
que um estatuário de caminhos invisíveis
construiu com a cor e o frio e o som morto de mármores,
para que em teu abraço haja imóveis invernos.

Tu bem sabes que sou uma chama da terra,
que ardentes raízes nutrem meu crescer sem termo;
adestrei-me com o vento,e a minha festa é a tempestade,
e a minha imagem,como jogo e pensamento,
abre em flor o silêncio,para enfeitar alturas e ermo.

Os teus braços que vêm com essa brancura incalculável
que de tão ser sem cor nem se compreende como existe
-são os braços finais em que cedem os corpos,
e a alma cai sem mais nada,exausta de seu próprio nome,
com uma improvável forma,um vão destino e um peso triste.

Pois eu,que sinto bem esses teus braços paralelos,
na atitude sem dor que é o rumo e o ritmo dessa viagem,
digo que não cairei com uma fadiga permitida,
que não apagarei este desenho puro e ardente
com que,de fogo e sangue,foi traçada a minha imagem.

Eu ficarei em ti,mísera,inútil,mas rebelde,
última estrela só,do campo infiel aos seus escassos.
E tu mesma achará pasmos de lagos e areias,
diante da forma exígua,sustentada só de sonho,
mantendo chama e flor no gelo dos teus braços.

Música-Aquarela Brasileira(Martinho da Vila)



Um dos mais belos samba-enredos de todos os tempos na interpretação do mestre Martinho da Vila.
Um ótimo carnaval a todos.

Livros-Boca do Inferno(Ana Miranda)

A resposta à pergunta-"de onde viemos" geralmente se aplica ,filosoficamente ,a nós mesmos.Mas existe um outro contexto ao qual ela pode também se aplicar:o conceito de nacionalidade,de país.E a frase "que país é esse "(ecoando tantas vozes ao longo dos séculos,dos poetas mineiros do século XVIII ao grande Renato Russo),é uma pergunta que temos feito ,individual e coletivamente,há muitas e muitas gerações.
Não há nenhuma dúvida que a história é um processo:confuso,doloroso,repleto de idas e vindas,carregando em sua voragem,alegria,desespero,trabalhos de vidas inteiras,vidas simples e insignificantes daqueles que constroem,em silêncio,o país;as chamadas 'vidas eminentes',daqueles que dão seu nome à nossas ruas e praças,escolas e hospitais.Irônicamente,esses 'sem nome' e esses nomeados (tantas vezes inomináveis) se entrecruzam e firmemente se juntam na corrente vertiginosa chamada processo histórico.
Os mitos da construção do Brasil,já tão estudados e analisados minuciosamente,não são mais do que isso:mitos,construções mentais ideológicos que encobrem o que podemos chamar,sem leviandade,de 'Real'.
O país,a princípio formado pelas chamadas 'três raças tristes'(por Gilberto Freyre,Pedro Nava e Afonso Arinos):o português,o africano e o índígena ,(e depois,entrecruzados por dezenas de povos),parece se debater há séculos ,em uma tensão de origem,em um debate infindável sobre que tipo de nação somos e queremos ser.Aqui,entra o fermento da ideologia que borbulha tantas vezes com veemência à superfície.
À civilização benfazeja do Brasil,ao homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda,à mistura quase edênica de Gilberto Freyre,se juntam as violentas relações sociais,que infelizmente,dão ainda tom,nada lisonjeiro,em nosso país.
Em "Boca do Inferno",a escritora cearense Ana Miranda(1951)-autora também do deslumbrante "Desmundo",busca na Salvador do final do século XVII,poeta Gregório de Matos (Guerra)-(1636-1695),chamado 'Boca do Inferno',para dar,em um admirável romance,sua visão da origem,ou sua visão do 'Real' que funda o começo da nossa civilização.
Em um dado tempo-o final do séc.XVII,e algumas circunstâncias peculiares ,o enredo(bastante linear),conta a luta contra os desmandos de Antônio de Souza Menezes,mais conhecido por sua alcunha de 'Braço de Prata'(por usar uma prótese de prata no lugar do braço amputado),que envolve grandes nomes da aristocracia luso-brasileira  e do clero da Bahia,à frente dos quais brilha o Padre Antônio Veira(1608-1697),um dos grandes oradores e escritores do barroco ibérico-brasileiro(e também uma espécie de grande gênio perdido entre os horrores de seu tempo).Defensor dos direitos dos índios e do controle rígido dos desmandos da inquisição,Vieira aparece como um emblema da inteligência e da piedade em meio a um mundo de total desrespeito aos seres humanos.É no antes,durante e depois do antentado dos conspiradores contra Francisco Teles de Menezes(irmão do governador) que a gira escritora sua história.
Muitos dos conspiradores são presos (incluindo Bernardo Ravasco,irmão de Padre Vieira) e tem início uma repressão feroz por parte do governador,em nenhuma das infâmia  são poupadas aos acusados.
Uma cidade que "parecia ser a imagem do paraíso"vai se tornando pouco a pouco um lugar "onde os demônios aliciavam almas para povoar o inferno."
Entre os inúmeros personagens descatam-se o próprio poeta Gregório de Matos,que se situa entre a escrita das ferozes sátiras contra os poderosos da ocasião e a prática heterodoxa do que mais tarde se chamaria 'amor livre',seduzindo e sendo seduzido por inúmeras mulheres,desde prostitutas como Anica de Souza até damas aristocráticas como Bernadina Ravasco,passando pela bela e trágica Maria Berco.
Plenamente consciente que a suposta luta 'pela liberdade',não era senão uma luta interna pelo poder entre a elite bahiana,Gregório cedo se desilude com qualquer possibilidade de mudança,iniciando um período de exarcebação crítica em suas corrosivas e certeiras sátiras,nas quais a corrupção dos graúdos e a acomodação venal da igreja católica,são simplesmente desmontadas e vituperadas até não sobrar pedra sobre pedra.
Mesclando história e ficção,a autora nos leva a refletir sobre como realmente é o país que queremos e como essas propostas de mudança têm necessariamente que sair de uma reflexão sobre a modernidade,sobre as armadilhas com que a ideologia tenta encobrir o real,do qual somos parte essencial como agentes de uma história que muitas vezes é escrita à nossa revelia pelos que pretensamente tentam sobrepor sua voz à nossa,e ainda mais contundentemente,tentar ser arautos de algo que é exterior a nós mesmos-seja a reificação da humanidade ou a fabricação de um 'real aparente'.
Esse romance,nos ajuda como brasileiros,a tentarmos nos situar como elos de transformação da nossa sociedade,que ainda  tantas vezes insistir na continuidade de um quadro social social  constrangedor e primitivo,em contraste com   a imensa capacidade de nosso povo.Grande leitura,de um capítulo da nossa história,que já se repetiu de mil formas.Cabe a nós construirmos um mundo social onde a modernidade e a solidariedade dêm a nota essencial.

Boca do Inferno-de Ana Miranda-Editora Companhia da Letras(pocket)