Em Abril de 1999,o mundo assistia ao massacre da Escola Columbine(subúrbio de Denver,Colorado).Dois estudantes,Eric Harris(18 anos) e Dylan Klebold(17),entraram armados na escola e assasinaram a sangue frio 15 alunos,ferindo outros 28,suicidando-se em seguida.Em mais uma tragédia anunciada,o massacre de Columbine colocou mais uma vez em evidência o polêmico tópico do controle de armas nos Estados Unidos,onde se pode comprar armas pesadas até pelo correio.Mas,além de toda a controvérsia sobre porte de armas,o caso Columbine indiretamente toca num ponto sensível da sociedade americana:a divisão social entre duas(hipotéticas e incompreensíveis)"castas"-"losers" e "winners".Hipotéticas porque carecem de qualquer explicação racional,incompreensíveis porque totalmente fora do contexto real da sociedade(mesmo em uma sociedade tão obsecada por dinheiro e sucesso como a americana).Os estereótipos mais cruéis de opressão social,como aquela velha história de nerds e atletas(os populares e o "resto"),acreditem,não existem só na sessão da tarde.Qualquer um que conheça ou tenha vivido nos EUA por algum tempo,sabem que essa polarização é real,e que também,o sofrimento desses"humilhados e ofendidos"é imenso.A sociedade americana(e a ocidental em geral),em que mais e mais o biopoder lança seus tentáculos,é também uma sociedade em que certos modelos são consagrados como ideais(o corpo ideal,o rosto ideal,o peso ideal,o comportamento sexual ideal,a inteligência ideal,etc) e os que não se enquadram,imediatamente descartados e condenados ao inferno do desprezo e da humilhação constantes.Os inúmeros massacres em escolas,são sempre perpetrados por aqueles considerados "losers",adolescentes(na maioria homens)com um histórico de "bullying",de desprezo e desconsideração constantes.Longe de se dizer que essas humilhações justificam um comportamento assassino,precisamos também tentar entrar na mente e no coração desses adolescentes humilhados,que veem no assassinato em massa ,uma hipotética vingança contra seus algozes.
Gus Van Sant(1952),é um diretor americano que longe das platitudes da maioria de seus compatriotas,encara seu país com olhos sempre(muito)críticos.Em sua obra prima-"Elefante"(2003),Van Sant,parte da tragédia de Columbine para fazer sua leitura da apatia e principalmente ,do absurdo conformismo social americano("conformismo bovino" na conhecida observação de Simone de Beauvoir).Palma de Ouro no Festival de Cannes(assim como melhor diretor),Elefante faz uma leitura não-linear de um dia aparentemente comum numa escola secundária ,claramente inspirada em Columbine.O cotidiano estudantil reflete a sociedade,e claro,há os que sempre perdem e aqueles que aparentemente são só caixa de ressonância dos preconceitos mais absurdos e incompreensíveis.O trabalho de Gus Van Sant está longe do realismo do cinema americano convencional.Em Elefante,há,por exemplo,vários versões de um mesmo fato,em que,em subtraindo uma certa verossimilhança realista,o filme ganha em dimensão psicológica.Os sintomas sociais estão todos lá:o desprezo pelo diferente,o conformismo mais grosseiro ao senso comum,e o que é mais assinalado por Van Sant,o erro de ver nessas perversões sociais a suposta normalidade das coisas.Todas as frustrações de nosso sistema social contemporâneo(e suas nefastas consequências psicológicas)são dissecadas nesse filme exemplar.Não espere uma narração convencional;Van Sant analisa a neurose de um país que ainda se pensa eleito,diferente de todos os outros;e é impiedoso ao dar seu diagnóstico:a sociedade americana (e o ocidente) está doente.Um filme desafiador,corajoso,inteligente,que não se perde em nenhum momento,que aponta e aperta a ferida do narcissismo exacerbado e doentio de nossa época.