O cinema do diretor espanhol Pedro Almodóvar(1951),sempre se caracterizou por uma abordagem crítica da sociedade ocidental.Essa mesma abordagem vai na contramão do chamado "cinemão",especialmente o americano,ao usar e abusar da ironia,da comicidade,do deboche ,da paródia e do melodrama de uma forma que o cinema hollywoodiano poucas vezes conseguiu ou ousou fazer.Desde o hiper-realista,hiper-caricato "Pepi,Luci,Bom,y otras chicas del montón"(1980),que usa o kitsch como instrumento de comunicação até "Abrazos Rotos"(2009),Almodóvar recheia seus 30 anos de carreira com obras como "Matador"(1986),"A lei do desejo"(1987)",sua homenagem às comédias americanas dos anos 30 e 40- "Mulheres à beira de um ataque de nervos"(1988),"Ata-me"(1990),"De salto alto"(1991)","Kika"(1993)",o maravilhoso melodrama escancarado "A Flor do meu segredo"(1995),"Carne Trêmula"(1997),"Tudo sobre minha mãe"(1999),"Fale com ela"(2002),"A má educação"(2004) e" Volver"(2006),todas conectadas entre si por uma percepção de mundo única e porque que não dizer redentora,visceral,muito distante de um certo cinema redutor e simplificador. Almodóvar se apropria do melodrama para 'cutucar a onça com vara curta',ao inverter a lógica tantas vezes maniqueísta da indústria cinematográfica e cortejar sem falsos pudores os mais variados clichês e revirá-los de cabeça para baixo,sem que qualquer tipo de falso moralismo interfira em sua narrativa."Tudo sobre minha mãe"(1999) é um desses filmes que não se assistem impunemente.O enredo é relativamente simples:Manuela(a excelente atriz argentina Cecília Roth),enfermeira em Madri,criou sozinha seu filho adolescente,Esteban(Eloy Azorín).No dia de seu décimo oitavo aniversário,Estebán(que sempre quis saber saber quem era seu pai)vai à porta de um teatro tentar conseguir um autógrafo de sua atriz preferida, Huma Rojo(a magnífica Marisa Paredes),é atropelado e morre.Sem rumo,desnorteada,Manuela viaja para Barcelona,à procura do pai de seu filho.Em Barcelona,encontra Agrado(Antónia San Juan)uma transexual-prostituta,espécie de Polyanna do bas-fond ,e talvez a personagem mais humana de todo o filme;Rosa(Penélope Cruz)uma freira grávida que deve ir em missão a El Salvador;a própria Huma Rojo e sua namorada dependente química Nina(Candela Peña).Elas se unem numa espécie de 'consórcio feminino' em torno de Manuela,que procura desesperadamente seu antigo amante,até que o encontra transmutado em Lola(Toni Cantó),até o irrepreensível final.
Todas as personagens,de alguma forma,enganam a si mesmas,ao mesmo tempo em que descobrem a solidariedade vinda das mais'estranhas'pessoas.Nesse fime,Almodóvar afirma de vez seu humanismo e sua recusa de uma humanidade compartimentada em rótulos,com'pessoas mais ou pessoas menos'.Essa recusa de uma humanidade monolítica o leva a realizar sua obra prima.Há os que preferem"Fale com ela";mas acredito que em "Tudo sobre minha mãe",o diretor chega àquele ponto de uma carreira artística,em que a própria obra se torna uma espécie de estandarte de um tempo,uma interpretação muito pessoal desse mesmo tempo.O mundo de Almodóvar(um diretor gay)é um mundo essencialmente feminino,em que o elemento masculino,de certa forma,perdeu o bonde da ternura,do respeito pelo outro.É claro que aqui temos uma generalização almodovariana,um recado aos homens-Acordem!Enfim,uma obra prima,que quanto mais assisto,mais gosto.Mais um filme essencial.