Filme-"Coverboy,a última revolução"(2006)-de Carmine Amoruso

A queda do Muro de Berlim,o final da União Soviética e o desmantelamento dos regimes repressores do chamado "socialismo real" no Leste europeu,causaram surpreendentes mudanças no ordenamento das 'forças ideológicas' planetárias.O que a princípio foi saudado com expressões como "nova era democrática","fim do comunismo" e até mesmo "fim da história",etc,também poderia ter sido chamado de "advento da era do mercado total","reunificação da ideologia neoliberal,neoconservadora".Esses fatos intricados entre si,deram o tom à quase total desregulamentação dos mercados nacionais,à precarização do trabalho,gerando a então tão louvada "globalização",hoje mais que questionada por sua criação monstruosa de concentração de renda e miséria.
Por mais que se tenha dito então que 'a esquerda estava morta',que o marxismo(que não é o socialismo real do leste) era uma filosofia/sistema falido,o fracasso retumbante da era do mercado total levou à atual crise sistêmica  pela qual ainda passamos.
A Europa Ocidental,seriamente afetada,com crescimento econômico negativo ou muito baixo,começa a sentir os trancos do envelhecimento populacional acelerado com o consequente aperto dos serviços de segurança e previdência social.Lá,a crise só gera mais desemprego e insatisfação,levando grandes contingentes a votar na direita e até mesmo na extrema direita xenófoba e racista(e estúpida),que demoniza os imigrantes ilegais,não querendo enxergar os verdadeiros culpados da crise.Os EUA patinam na pior recessão em 80 anos,com altos níveis de desemprego e decepção popular com o governo de Obama(que foi eleito em meio a aclamações retumbantes).A infra-estrutura,a educação e a desigualdade de renda caem a níveis nunca vistos hoje.E por fim,assistimos à inevitável ascensão do BRICs,que desenham já no presente,um outro futuro.
"Cover Boy" é um filme italiano que se insere na tradição política de Elio Petri e Pasolini,com sua crítica ácida da ilusão do fim da luta de classes,do teatro bem-pensante burguês,seu desvelamento dos meios mais reacionários de controle social e ocultamento e manipulação das relações sociais.
Por mais que certas revistas semanais insistam no contrário,tudo é político,e por mais que o chamado "estado do bem estar social",tenha construido sociedades muito mais justas em muitos países da Europa,esse mesmo sistema tem sido corroído em suas bases pela ganância desregulamentadora e pelo inevitável embate social causado por ela.
"Cover Boy" conta a história de Ion(Eduard Gabia) e Michelle(Luca Lionello).Ion é um jovem romeno,que acossado pela pobreza da Romênia pós-comunista,vai tentar a sorte no suposto eldorado italiano.Como era de se esperar,de grande prosperidade,a Itália já não tem muita coisa.Com a econonia estagnada há anos,o país é na verdade um viveiro de xenofobia e racismo.Ion,recém chegado,não tem para onde ir ,onde dormir,onde tomar um simples banho.E é em circunstâncias surpreendentes que conhece Michele na estação Termini em Roma.Michele,é um empregado terceirizado,que embora italiano,e"cidadão pleno da União Européia",é pouco menos pobre que o romeno.Mora em um minúsculo e desconjuntado apartamento em um prédio decrépito,gerenciado por uma por uma detestável e amargurada atriz decadente.É esse apartamento e também sua vida que passa a dividir com Ion.
Pasolini registrou magnificamente a vida do sub-proletariado italiano em obras primas como Accatone(em uma Itália que surpreenderia muitos hoje,com favelas iguaizinhas às brasileiras na periferia de Roma) e lamentava melancolicamente,que a rica Itália que nascia nos anos 60,significava também um país que se abastardava,que se consumia no fogo do consumismo e da ganância erigidas como modo de vida.
Esse mesmo Pasolini se surpreenderia com a Itália de 2010.O país que depois da Segunda Guerra,teve um enorme e intenso crescimento econômico,com o decréscimo rápido da desigualdade social e aumento exponencial de salários,passa de exportador a receptor de mão de obra barata do chamado "terceiro mundo".Mas a Itália de 2010 é o país do patético Sílvio Berlusconi,do racismo mais lamentável da Europa Ocidental e de uma decadência sócio-econômica que só tem aumentado ano a ano.
É nesse cenário que vive Michele,o amigo de Ion,ele próprio imigrado do mais pobre sul da Itália.,que procura em Roma(ou em Milão,ou Turim,etc) a vida melhor que certamente,hoje,não vai encontrar.
Os dois,perdidos em uma sociedade indiferente,teem a si mesmos.Michele literalmente se apaixona por um Ion inacessível como objeto de paixão e a dor dos dois se mescla em vários tons.

Um filme corajoso e contemporâneo,aclamado e premiado em vários festivais,com maravilhosa fotografia,ótima direção de atores e uma crítica social cortante e oportuna.Vale destacar a Roma degradada a que poucos turistas devem prestar atenção.