"O futuro não é mais o que era antigamente",diz o grande Renato Russo em uma de suas canções.E isso parece se tornar mais e mais verdadeiro à medida que avançamos no tempo e na história.Os últimos 200 anos só confirmaram nosso imenso talento para causar sofrimentos sem conta à nossa própria espécie e às outras(muitos de nós ainda se acham superiores aos animais-vã ilusão),enquanto uma parte da humanidade conseguia progressos nunca antes vistos em saúde,educação,democracia e direitos iguais.Essa dicotomia reinante em nosso planeta,ainda tão distante de uma sociedade onde todos tenham sua justa parte gerou,é claro,rios de tinta e quilômetros de película cinematográfica.E mais ainda,a idéia de um futuro utópico (ou distópico),dá o tom da ficção científica dos últimos 100 anos.Como não deixaria de ser,os extremos se fazem presente:ora um futuro de felicidade completa e harmônica,ora um terrível e sombrio tempo,dominado por máquinas,robôs ou super computadores que escravizam o ser humano.Há obras porém,que propõe uma leitura mais nuançada de futuros possíveis.Uma delas é o magnífico "Blade Runner"(1982) do diretor inglês Ridley Scott.
Baseado na novela do escritor americano Philip K.Dick(1928-1982)-"Do Androids Dream Of Electric Sheep?"(algo como "Androides sonham com carneiros elétricos?"-literalmente),Blade Runner é uma "Estravaganza" visual,mostrando uma Los Angeles hiper-caótica em 2019,com inimagináveis níveis de poluição(parace ser sempre noite),um governo ao mesmo tempo invisível e onipresente.A biopolítica havia criado os robôs perfeitos,chamados replicantes para o trabalho duro nas colônias fora da terra e inclusive para propósitos de diversão sexual.Mas como sempre acontece na realidade e na ficção,os fatos fogem ao nosso pobre controle.
O enredo gira em torno da fuga de 4 replicantes e sua entrada clandestina na Terra.Como depois de uma revolta eles são proibidos de pisar no planeta sobre pena de morte,um antigo caçador de replicantes-Deckard(Harrison Ford),assume sua localização e perseguição.Deckard,totalmente baseado nos detetives dos filmes"noir" dos anos 40 é o típico sujeito durão,que não leva desaforo para casa.Em visita à poderosa Tyrrel Corporation(que cria os replicantes),Deckard conhece a bela e super misteriosa Rachel(Sean Young-simplesmente maravilhosa),o que levará a uma poderosa história de amor.Deckard encintra os replicantes e é claro,tem que executar sua tarefa macabra.Mas tudo isso parece abrir seus olhos para o fato que a realidade é muito mais complexa que imaginamos;especialmente ao confrontar Roy(Rutger Huer),o chefe dos replicantes(em cena antológica do cinema,em meio à chuva),isso sem mencionar o final.
Lembro de ter visto "Blade Runner"no antigo Cine Pathé em Belo Horizonte nos anos 80,e ter saido embasbacado.Ali estava um filme de ficção científica complexo e porque não humanista,uma obra que ia fundo(em uma época em que não se falava disso)na crítica à destruição dos recursos do planeta,à dominação do biopoder sobre nossas vidas,e à banalização dos sentimentos e à coisificação do ser humano como mero consumidor e mercadoria.Um filme barroco,de cores e clima sombrio-nisso,bem distante do 'corderosismo' de tantas produções hollywoodianas.Se nosso futuro como espécie será aterrador ou não,tenho a total convicção que cabe a nós e nossos descendentes decidir-ao combater os verdadeiros inimigos-aqueles que sorrateiramente fazem da condição humana um simples episódio biológico,sujeito unicamente à exploração e à dominação.Uma grande obra para ver e rever sempre.
Obs-Conheço duas versões de Blade Runner-a do estúdio e a do diretor.