Para ler-Clarice,-de Benjamin Moser

"Escolher a própria máscara é o primeiro gesto voluntário humano.E solitário."(Clarice Lispector)


Clarice Lispector(1920-1977),permanece e permanecerá como uma estrela de alta excelência que paira sobre
a literatura brasileira não como anjo benfasejo,mas como gênio tutelar galgado(como Machado e Guimarães Rosa)a alturas quase inacessecíveis,dada a qualidade de sua escrita,a raridade de sua interpretação do ser humano.Clarice,que em vida esteve longe de ser a unanimidade de hoje,colecionando invejosos que desdenhavam de sua literatura,tida como hermética,exercício de narcisismo,entre outras "preciosidades",sofreu na pele a incompreensão de muito de seus contemporâneos.Tida como "meio doida"até,a escritora ficou anos em um limbo-reconhecida como uma escritora de escritores,mas enlameada por rótulos que a desqualificavam.
O que esses críticos pedestres/pedantes não entenderam(ou não quiseram entender),é que Clarice não buscava histórias,enredos,dizer o óbvio.O que Clarice sempre buscou foi o outro lado da anedota,do real,esse lado que ,sendo pouco iluminado,muitas vezes esmaecido,escuro,é pouco explorado,procurado e compreendido.
O americano Benjamin Moser,depois de estudar literatura brasileira na Universidade Brown,apaixonou-se pela literatura de Clarice,o que o levou a cinco anos de pesquisas para escrever a considero a melhor biografia da escritora até hoje.
Analisando a vida de Clarice através de três vórtices-A morte da mãe,Mania,de sífilis(anos após ter sido violentada em um progrom na Ucrânia),seu amor frustrado pelo escritor gay Lúcio Cardoso e sua perseguição quase obsessiva pelo sentido da vida-o que passa pelo gnosticismo judeu.
Moser enfatiza que a literatura de Clarice ,não somente busca sempre evadir-se de qualquer enredo horizontal,mas vai muito além,ao querer responder à pergunta-O que é o ser?Pergunta clássica da filosofia
do século XX,principalmente na obra magistral de Martin Heidegger,da literatura de Kafka(outro judeu genial e porque não,atormentado),e da psicologia de Jung.Clarice encara essa dura missão-a de investigar o ser no mais recôndito de nós,em nossas contradições inerentes,nossos medos ancestrais,nosso paradoxo de seres mortais procurando por um possível Deus que nos console dos horrores da existência.
Clarice,que sempre viveu em profunda angústia existencial,evidencia o poder da literatura de ir além do que nos foi dado como sendo o real,de mergulhar(sabendo das possíveis consequências)no inconsciente para pelo menos tentar algum arremedo de resposta.
Moser nos dá uma Clarice de perto,muito de perto.Não o mito,a esfinge do Leme,aquela pessoa que de tão rara,era até antipática(para alguns bossais).Emerge do livro,uma Clarice palpável,sem mistificações.
Para os especialistas em Clarice e para todos aqueles que a amam,um maravilhoso presente de Natal.
Clarice,que (para mim)é com Virginia Woolf uma das duas maiores escritoras do século XX,ainda será analisada,outros tentarão decifra-la(em vão talvez),mas Moser abriu uma grande picada no estudo da vida da escritora.Vale a pena  le-lo.
Trecho-"A escritora francesa Heléne Cixous declarou que Clarice era o que Kafka teria sido se fosse mulher,ou 'se Rilke fosse uma judia brasileira nascida na Ucrânia.Se Rimbaud fosse mãe,se tivesse chegado aos cinquenta.Se Heidegger tivesse deixado de ser alemão."
Uma leitura inprescindível aos que amam e admiram Clarice.

Clarice,-de Benjamin Moser,Editora CosacNaif,2009,648 páginas.