Cinema-O Paciente Inglês(1996) de Anthony Minghella

Quando vi "O Paciente Inglês" pela primeira vez,me pareceu só mais um filme de amor bem realizado.Na segunda vez,que assisti com amigos e pudemos trocar impressões,tive uma epifania.
É uma obra,que sob a aparência inicial de ser mais um filme sobre as idas e vindas do amor,é uma encenação grandiosa sobre viver e perder,ganhar e perder;sobre o acaso que parece mesmo tudo reger,sobre nossa eterna insatisfação com os outros e conosco mesmos,sobre o quanto o amor e o desejo podem conter de trágico e porque não-de absoluto.
A tragédia grega,as obras primas trágicas de Shakespeare(Hamlet,Macbeth,Rei Ler,Antônio e Cleópatra,Romeu e Julieta),os clássicos da era de ouro de Hollywood(Grande Hotel,Rainha Cristina,Casablanca,E o vento levou,Nasce uma estrela,entre tantos)discutem e quase esgotam os temas do desatino do amor,da incompreensão,do sofrimento humano,da sempiterna( e não muito bem aceita e compreendida) solidão humana(quer dizer-a verdadeira solidão conosco mesmos-estar com alguém também não é garantia de nada).
"O Paciente Inglês"(que não é inglês,e sim húngaro) coloca em tintas fortes e turvas a impossibilidade da realização ideal do amor(entre aspas por ser sempre tão desejada e sempre impossível,assim então,ela nos foge).O Conde László de Almásy(Ralph Fiennes,em grande interpretação)é um arqueólogo suspeito de ser espião no Egito sob ocupação nazista na Segunda Guerra.Lá conhece Katharine Cliffton(Kristin Scott-Thomas-em mais um grande momento-linda,elegante,entre o desespero,a frivolidade e a impassível fleuma britânica)que acompanha o marido arqueólogo,Geoffrey(Colin Firth-sempre ótimo)em uma escavação no deserto..Aqui,se instala na vida colonial inglesa,sempre separada dos 'nativos',em seu orgulho colonialista de suposta civilização superior(e branca),com toda sua vida complacente de 'garden-parties'(sob 40 graus),chás das cinco,bailes e fofocas;o que quer dizer-toda uma vida em que as aparências e encenação constante são o 'modus-vivendi'.Katharine se ressente de um casamento que a seus olhos é(ou tornou-se)morno sem emoção o suficiente para que ela se interesse por Almásy.O desejo,por mais que alguns 'politicamente corretos' digam o contrário,é sempre carnal,e por ser carnal subjuga o corpo e a mente.Por mais que resistamos ou o neguemos,ele está ali,em tortura constante.Ele exige reparação física,é premente.E Katherine(uma mulher inteligente e sofisticada),começa um caso com Almásy,sabendo desde o começo,que é uma história de alguma forma
condenado ao fracasso,à não-realização.
A trama vai e vem em flashbacks.Almásy,depois de um acidente de avião que o deixa gravemente desfigurado(que vemos no final do filme),é recolhido e cuidado pela doce Hanna(a maravilhosa Juliette Binoche)em um mosteiro medieval abandonado na Toscana,Itália(uma das regiões mais belas do mundo).Hanna restaura as pinturas renascentistas de uma igreja.Essa oposição-a do Conde Almásy morrendo,abandonado e amargurado e a permanência fulgurante da arte,enfatiza esse mesmo lado amargo da vida(nunca vamos encontrar as respostas para nossas eternas perguntas metafísicas,enquanto seres humanos)-Nós passamos,nossas realizações permanecem.Nunca existirá nenhuma 'plenitude amorosa real'.
Hanna mantém um relacionamento com o indiano Kip(Naveen Andrews).É obsecada com a morte e acha que todos que se aproxima dela,de alguma maneira morrem-e como Kip é um desarmador de bombas,essa obsessão permanecerá entre os dois.
A trama avança em saltos temporais que assinalam o desenvolvimento do romance de Katharine e Almásy.Existem pontos -chaves na trama:o livro preferido do conde(História-do grego Heródoto),o deserto(de uma beleza além da imaginação) e a impressionante 'Caverna dos mergulhadores',onde acontece a consumação trágica do amor de Almásy e Katharine.Destaco a sequência final(uma das grandes cenas do cinema contemporâneo) com sua pungência e comovente beleza.
Grande direção do falecido diretor inglês Anthony Minghella,estupenda fotografia de John Seale,as icônicas interpretações de Phiennes,Scott-Thomas e Binoche (sem esquecer o grande William Dafoe,em ponta de luxo),o roteiro preciso de Minghella(baseado no romance de Michael Ondaatje),fizeram do filme o mais que merecido vencedor de 9 prêmios Oscar(incluindo melhor filme).A trilha sonora é um espetáculo à parte,dando o tom exato de desespero e ansiedade que perpassa o filme.
Uma obra para pensar,para comover(sem nenhum traço de melodrama barato);para mais uma vez,tentarmos entender como e porque somos levados pelo amor,mesmo que muitas vezes já saibamos o desfecho.Um filme para ver e rever.