Ela saiu às oito horas.A rua,quente e seca,ainda estava vazia.Insetos zumbiam pelo ar.Caminhava devagar,pisando firme a calçada irregular.E ter que ir ver Luís de novo,meu Deus!
Tudo novamente:a discussão inevitável,a hesitação que a enfurecia,as palavras trocadas em jatos.Como tudo isso a entediava.E se as pessoas ao invés de viverem na sofreguidão aparentemente eterna de suas vidas,parassem e sentassem num banco de jardim,para ter como única companhia a si mesmo?O pulsar frenético de sua vida a fazia sentir-se cansada.Queria um pouco de dormência,de lassidão.A indolência consentida,os tumultos apagados.
No cruzamento com a avenida apareceram pessoas.Crianças e adolescentes a caminho da escola;a velha apressada com uma echarpe ondulante enrolada no pescoço,maquiadíssima(o que estaria fazendo ali?);o mendigo habitual da esquina com suas mãos sujíssimas e o cachorro amarelo de olhos calmos,sentado ao lado de uma caixa de papelão.
E se estava indo se encontrar com Luís,deveria mesmo esperar pelos sinos que começavam a retumbar em seus ouvidos.Não tinha nenhuma esperança de compreender qualquer sentimento.Sua mente,que não era dessas chamadas poderosas ou inescrutáveis,simplesmente oscilava entre o desprazer do corriqueiro.Não deveria esperar nada de Luís,que não fosse o reflexo de seu próprio egoísmo,o confronto de vontades refletidas em um espelho.
Parou no ponto de ônibus lotado.O calor já estremecia tudo.Mulheres com ar entediado carregavam sacolas de compras e ela,pronta para um desenlace qualquer.
Poderia cortar agora mesmo seus fios desconexos com o homem com quem vivera por tantos anos.Mas além de desconexos,esses fios tão finos e filigranados,lentamente se arrebentavam,tão degradados estavam.E parada ali,ela sofria,por todas as possibilidades e impossibilidades de sua vida.O ônibus chegou.Entrou.E assim foi ao encontro de algo que não conhecia.