Para Ver-"Anjos na América" de Mike Nichols(2003)


A década de 80,especialmente para quem a viveu na juventude foi sem dúvida uma época mágica,nostalgias à parte;especialmente no Brasil redemocratizado,que vivia uma abertura política e de costumes nunca antes vistas.
Mas em meio a liberdades de expressão nem sequer imaginadas por muitos no começo do século XX,uma  ameaça ,a princípio incerta,desconhecida,mas que tornou-se uma das doenças mais mortíferas(no ocidente até o advento dos anti-retrovirais) da história da humanidade-a AIDS.

"Angels in America",nome original da série da HBO,é a adaptação da maravilhosa peça do dramaturgo americano Tony Kushner(1956),vencedora do prêmio Pulitzer de melhor texto teatral.Kushner,segundo suas próprias palavras,quis dar seu testemunho sobre a época sombria do advento da AIDS e do governo de extrema direita de Ronald Reagan nos Estados Unidos,que combinados deram início a uma das piores etapas da história dos direitos civis americanos.
Muito pouco se sabia sobre a AIDS até 1986/87 e junto com o desconhecimento,crescia o preconceito.O sofrimento das primeiras vítimas da epidemia,a grande maioria homens gays,dificilmente será esquecido.especialmente pelas comunidades de Nova York,San Francisco e Los Angeles,as mais afetadas.Nas palavras de escritoras como Susan Sontag e Camille Paglia,a morte teve uma colheita inédita de grandes escritores,dançarinos-coreógrafos,atores,pintores,cantores,uma gama enorme do pessoal das artes-cinema-teatro.Em uma entrevista Sontag conta do horror que se apossou de Nova York por volta de 1985,com as pessoas perdendo amigos,tendo notícia que outros estavam irremediavelmente doentes(não havia,então,nenhuma droga).
Em "Angels in America",Tony Kushner fala do desespero das vítimas e de seus entes queridos,mas também dá esperança na magnífica cena final(e dentro do simbolismo dos anjos na peça).
Com roteiro escrito pelo próprio Kushner,a série,como a peça se divide em duas partes-"O Milênio se aproxima(Millenium approaches)e "Peresttroika"-nomes que nos remetem bem ao espírito da época.Essas partes são divididas em capítulos.
A trama é relativamente simples-Deus abandonou o céu.Na Nova York de 1985,Prior(Justin Kirk) recebe a notícia que está com AIDS,seu companheiro de 4 anos,Lou(Ben Shenckman) incapaz de lidar com a doença o abandona(algo que sempre aconteceu com portadores de HIV).Enquanto a doença avança,Prior sofre na solidão,contando quase só com seu amigo do peito,o enfermeiro Belize(Jeffrey Wright,em interpretação estupenda) e com a enfermeira Emily(Emma Thompson).Enquanto isso,o advogado homofóbico e gay enrustido(sim,eles existem),Roy Cohn(Al Pacino,impressionante)um personagem real,se interessa pelo jovem e bonito advogado Joe Pitt(Patrick Wilson),também enrustido e casado com a problemática Harper(Mary-Louise Parker-magnífica),sexualmente insatisfeita e infeliz.Prior recebe a vista do anjo da América(Emma Thompson),que o convida a ser uma espécie de profeta .A trama vem e vai ,não seguindo um ritmo linear,até  o maravilhoso final(uma das mais belas cenas do teatro contemporâneo na minha opinião).Os anjos,os mensageiros de Deus cansado da maldade e das loucuras dos seres humanos,teem uma parte pivotal na série.A espécie humana não está perdida,é possível se salvar,pela piedade e pelo amor.
Fábula feérica humanista,"Angels in America",foi uma das séries mais vistas na história da televisão americana,e foi aclamada entusiasticamente pela crítica.No impressionante elenco com Al Pacino,Jeffrey Wright,Justin Kirk,Mary-Louise Parker,Patrick Wilson,Emma Thompson,Ben Shenckman,a estupenda Meryl Streep,que mais uma vez confirma porque é a maior atriz viva,e nos brinda com uma interpretação antológica,comovente,sublime.A série venceu 5 globos de ouro e 11 emmys(batendo o recorde do prêmio),incluindo melhor ator(Al Pacino),melhor atriz(Meryl Streep),melhor ator coadjuvante(Jeffrey Wright),melhor atriz coadjuvante(Mary-Louise Parker),melhor diretor(Mike Nichols) e melhor série.Destaque também para a abertura,uma das mais bonitas de todos os tempos.
Uma ode à compaixão humana,ao amor que nos redime do nada,à salvação do ser humano pela piedade e pela solidariedade.Uma obra-prima de nosso tempo,inquestionavelmente.






A famosa cena final