Fragmento

Daiane saiu às sete horas.A rua,quente e seca,estava vazia.Insetos zumbiam pelo ar.Caminhava devagar,pisando firme a calçada irregular.E ter que ver Luis de novo,meu Deus!Tudo novamente:a discussão inevitável,a hesitação que a enfurecia,as palavras trocadas em jatos.Como tudo isso a entediava,a lançava num desespero frio.E se as pessoas ao invés de viverem na sofreguidão aparentemente eterna de suas vidas,encontrassem aquele atalho que tanto queriam?
O pulsar frenético de sua vida a cansava.Queria um pouco de dormência,de lassidão.A indolência consentida,os tumultos apagados.No cruzamento com avenida apareceram pessoas:a velha apressada,com uma echarpe enrolada no pescoço,maquiadíssima(o que estaria fazendo ali?),grupos de adolescentes uniformizados,o mendigo habitual da esquina,as mãos sujíssimas,ao lado da caixa -casa de papelão que se desfazia já.E estava indo se encontrar com Luís.Deveria mesmo ter esperado pelos sinos que começavam a tocar em seus ouvidos.Não tinha nenhuma esperança de compreender qualquer sentimento.Sua mente,que não era dessas chamadas inescrutáveis ou poderosas,simplesmente oscilava entre o desprazer do corriqueiro,as cinzas das horas.Não devia esperar nada de Luís que não fosse o reflexo de seu próprio egoísmo,o confronto de vontades refletidas num espelho.
Parou no ponto de ônibus lotado.Mulheres com ar entediado carregavam sacolas de plástico,e ela,pronta para um desenlace qualquer.Poderia cortar então seus fios desconexos com o homem com quem vivera por tantos anos.Mas além de desconexos,esses fios tão finos e filigranados,lentamente se arrebentavam,tão degradados estavam.

(James Penido)

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