Foi quando saía do metrô,na estação da rua 47 com a quinta avenida,que viu o gigantesco outdoor.Uma moça loura e sorridente de maiô azul parada ao lado de uma piscina de água translúcida como numa pintura de David Hockney.A luz intensa de um verão impossível e imaginário cobria a grama,as árvores,o mar ao longe.Seu rosto levemente eslavo emanava a tranquilidade falsa dos que estão sempre felizes.os olhos muito azuis olhavam firme,num desafio em que havia alguma arrogância e uma ironia fina,como se fosse dizer-você nunca vai viver uma vida assim.
Parada na calçada,no meio da multidão quase compacta,das buzinas,do amarelo corruscante dos táxis,ficou olhando encantada a foto imensa.O painel tomava toda a lateral de um prédio falso rococó,cheio daquelas torrezinhas que são o charme e o ridículo de Nova York.Era ela.Era a sua foto,exposta para a cidade inteira(e porque não para o mundo?).O mundo da Vogue,Elle,Marie Claire,OG,L'Éternel,Mode.Um mundo de papel,de rotogravuras,.de dinheiro,do que sempre se quer e nunca se alcança.
De repente começou a rir perdidamente,num crescente sincopado.Cristo na cruz!Depois de tudo que passara,de todas as frustações e pequenos tormentos que por muitos anos tinham constituído sua vida,algo realmente estava acontecendo.
Uma onda de júbilo a envolvia quente,quente.Era aquela talvez,uma pequena amostra de alguma felicidade futura?Do tanque a Nova York não era mais ficção,nome de biografia fajuta,conto de fadas,mesa redonda do canal brega.Seus medos mais sinceros e por isso mesmo,mais profundamente enterrados,lentamente emergiam para sere mais uma vez enfrentados.O tempo das vacas magras,da carne roída até o osso,do lamber beirada de penico:todos os lugares comuns do anonimato e da pobreza se desvaneciam em sua mente.Porque o mundo existia de uma forma muito mais intensa e perturbadora,percebeu então.Estar no mundo e viver eram coisas muito distintas.
Não sabiam onde nascera,como era a casa em que vivera por muitos anos.Sórdido,agradável,pequeno,tranquilo,pobre-não eram só palavras?Queria provar a si mesma que tudo realmente passava,que as feridas da alma e do coraçao lentamente se fechavam.
Margarete,Iná,Dona sininha,Marquito:todos esses personagens de sua infância espectral de borralheira,agora moravamem um outro planeta.Aquele seu novo planeta de bolsas de dez mil dólarese edifícios de vidro fosco,ao mesmo tempo tão frio e tão quente,era onde deveria ter sempre vivido.Aquele fim de mundo do Paraná de onde viera,com suas casinhas de madeira que pouco a pouco se descoloriam com a chuva,era o lugar para onde nunca mais voltaria.Ela tinha certeza absoluta disso,porque muito maior que sua ambição era seu horror ao passado.
0 comentários:
Postar um comentário