Cinema-O Segredo de Brokeback Mountain(de Ang Lee)

Poucos filmes analisaram tão radicalmente uma relação entre pessoas do mesmo sexo como "O Segredo de Brokeback Mountain"(Brokeback Mountain-2005).O diretor taiwanês Ang Lee sempre se empenhou em esmiuçar os dispositivos mais hipócritas,repressores e reacionárias da sociedade em obras tão magníficas e diferentes entre si como "O Banquete de Casamento(1993)","Razão e Sensibilidade(1995)","Hulk(2003)",entre outras.Nessas obras ele se dispõe a por a nu como a infelicidade é gerada pela incompreensão,pelo complexo sistema social  que a espécie humana criou através dos séculos,pelo 'vale tudo' que reina absoluto no próprio tecido dessa sociedade,e mais ainda,pela incorporação ,muitas vezes,por parte dos discriminados(em um processo muitas vezes inconsciente)dos valores dos que os discriminam.
Assisti 'Brokeback Mountain' pela primeira vez em uma sala lotada de um shopping 'classe A' de Belo Horizonte.Imagino que alguns estivessem ali para conferir qualquer conteúdo 'escandaloso' ou coisa que o valha;enquanto muitos outros estavam dispostos a ver uma verdade na tela:a verdade tantas vezes escamoteada ou simplesmente negada,que sim,existe o amor entre dois homens(ou entre duas mulheres),mesmo que às vezes doloroso,massacrado,forte,impávido,tantas vezes resplandecente,como todos os amores entre dois seres humanos.Ainda me causa espanto que tantos pensem esse amor como desviado/desviante,algo fora da experiência e da natureza humanas.E por sermos seres pensantes,sociais,presentes(não meros joguetes)na história,atuantes na construção tanto material quanto simbólica do mundo,é que essa negação do amor entre iguais é mais irracional e insensível.
O amor de Ennis del Mar e Jack Twist acontece em uma 'América profunda'(que também é o mundo,porque não?),em uma de terra de 'machos',em um lugar em que os mecanismos de controle psicológico estão sempre à espreita.Na paisagem das Montanhas Rochosas,ao mesmo tempo monumental,etérea e muito romântica(no sentido artístico do termo),Jack e Ennis são jogados,repentinamente na história e tentarão construi-la,mesmo já prevendo o quanto isso seria difícil e doloroso.
Não é anti-realista o fato que por nenhum momento abdicam de sua condição de homens viris,embora tantas vezes essa classificação resvale para as interpretações mais simplórias,mais gratuitas e fora de foco,(mesmo e muitas vezes na comunidade gay),onde tantos ainda tentam compartimentar e rotular o que é ser homem,usando as ferramentas de um desconcertante preconceito.Eu vou além,e parafraseando Simone de Beauvoir digo que não se nasce homem,torna-se homem.E entendo que o que Ang Lee quis também desmistificar foi esse espelho estranho em que nós homens tantas vezes nos miramos,procurando sempre uma definição que é,a princípio,muito simples.Ennis e Jack são dois homens que em nenhum momento questionam-se como mais ou menos masculinos;o que questionam é a infelicidade em que foram jogados por uma sociedade que por tantos motivos condena a diferença(não só sexual,mas qualquer diferença),gerando um conformismo esquizofrênico.
Há cenas no filme que exemplificam tudo que falei.O olhar de Ennis na janela,quando Jack chega para ve-lo de surpresa-felicidade pura,o coração explodindo.A revolta de Ennis com a crueldade da vida que o forçou,pelas circunstâncias,a vive-la sem sentido.Os reencontros-anos a fio na montanha,um amor e um sofrimento renovados.E duas cenas antológicas,pela delicadeza e sensibilidade-Jack,tão cansado que dorme em pé,é abraçado por Ennis e a visita de Ennis à casa da família de Jack,quando descobre a camisa do  companheiro ainda cheia do sangue de quando brigaram(uma relíquia para ele do amor dos dois).
Uma obra corajosa,instigante,que nos leva a pensar no sofrimento secular infringido àqueles que amam entre iguais:a história é a mesma para todos-somos todos seres humanos.



12 comentários:

Vanessa Anacleto

9 de abril de 2010 às 12:30
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disse...

James, eu gosto tanto de cinema e ainda não consegui assistir a este filme. E olhe que já está passando na tv, mas sempre que aparece na programação eu tenho que fazer alguma outra coisa. Vi que deve estrear este fim de semana na TNT e farei mais uma tentativa :-). Outra coisa: Vc gosta de Lewis Carroll?? Ainda hoje sai um post especial sobre ele no Fio.

Beijos

Cristine Martin

9 de abril de 2010 às 13:06
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disse...

Olá James,

Como a Vanessa, também não assisti ainda a esse filme (vi apenas a primeira meia hora), mas quero vê-lo sim, ainda mais depois de ler sua excelente crítica. Parabéns!

Cristina Caetano

9 de abril de 2010 às 13:25
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disse...

Assisti, gostei e concordo com tudo o que você escreveu. Acrescento que foge da minha compreensão no que o amor entre pessoas do mesmo sexo pode agredir alguém e dá uma dorzinha cá dentro saber que pessoas ainda sofrem por isso. E vou repetir isso ao longo da minha vida sempre que achar necessário porque é necessária a mudança de pensamento, o ser humano é bom pelo caráter que possui independentemente de quem ele escolhe para amar.

Foi um dos filmes mais bem realizados que assisti nos últimos tempos.

Beijinhos e bom fim de semana

Anônimo

9 de abril de 2010 às 13:50
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disse...

Agora entendo porque disse ser um post difícil James, falar sobre algo fora do padrão de nossa sociedade é realmente difícil; sempre tem alguém com uma pedra lá fora...
Conheço até algumas pessoas que deixariam de falar comigo se fosse eu o autor deste post... no final, tenho pena delas.
O que importa mesmo é tolerância, podemos até não concorda com uma ideia, mas isso não nos impede de conviver com ela, ou não é isso que fazemos todos os dias; vivendo mesmo sabendo que vamos morrer? Acho que já escrevi isso antes...
De qualquer modo, belo post! Só você mesmo p'ra me fazer interessar por um filme com um nome que não consigo lembrar!

Ana

9 de abril de 2010 às 15:19
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disse...

Adoro esse filme.
Instigante, surpreendente, angustiante, e principalmente humano.
Para mim é sobre o amor.
Beijos.

Mylla Galvão

9 de abril de 2010 às 16:43
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disse...

James,

Eu gostei do que vi - e realmente a sociedade desaprova esse tipo de romance! Mas e daí? É ela que paga os presentes que vc dá a quem vc ama?
Não tÔ nem aí para essa sociedade preconceituosa...
O vale mesmo é o amor! Isso é que é importante!

O filme é realmente lindo e depois q vi trailer, deua té vontade de ver de novo!!!

Bom fds!!!

bjão

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disse...

belíssima leitura, belíssima reflexão, belíssimo relato desta grande obra cinematográfica ...

emocionei aqui

bjux

;-)

Luciano A. Santos

9 de abril de 2010 às 21:43
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disse...

James,

Assisti ao filme nas duas vezes que passou na tv, é uma excelente obra, que teve a ousadia de mostrar coisas que não se costuma mostrar em filmes de cowboys.

Muito bom o post, bela reflexão.

Abraços.

Revistacidadesol

10 de abril de 2010 às 10:47
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disse...

Oi, James.

Esse filme já passou duas vezes na Globo, o que deve indicar sucesso. Ang Lee é ótima.

Mas uma pergunta sobre significante: há um jogo de palavras entre Ennis e pennis? O que vc acha?

Valdeir Almeida

10 de abril de 2010 às 18:03
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disse...

James,

As pessoas esperaram que esse filme fosse tratar o tema com os rótulos já enraizados na sociedade. Mas o diretor abordou o relacionamento com pessoas do mesmo sexo fazendo um recorte da realidade.

Amigo James,

Meu blog está em festa. Se possível, passe lá para ver.

Abração e ótimo final de semana.

Vanessa Anacleto

11 de abril de 2010 às 21:21
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disse...

James, atrasei um pouco mas consegui postar sobre Lewis Carroll.

beijos

Alexandre Lucas

12 de abril de 2010 às 02:59
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disse...

Filme contundente, verdadeiro e intenso. Se quiser o conto que deu origem ao roteiro, manda o mail que te mando.