"Nesta época em que a ciência e a ação adquiriram tal grandeza,a literatura tornou-se a camada mais superficial do pensamento de um povo.(...) Eu te mostrarei ,quando quiseres,pessoas que nunca lêm romances,moças que nunca foram ao teatro,homens que nunca se ocuparam de política-e isso,entre os intelectuais.Não viste nem nossos sábios,nem nossos poetas.Não viste os artistas solitários que se consomem em silêncio,nem o braseiro chamejante de nossos revolucionários.Não viste um único grande crente,nem um único incréu.
Não conheces nas habitações pobres ,nos sótãos,na província muda,os animosos,os sinceros corações,presos durante toda uma vida medíocre a graves pensamentos,a um abnegação cotidiana-ao pequeno cenáculo,que sempre existiu-pequeno pelo número,grande pela alma,quase desconhecido,sem ação aparente,e que é toda nossa força,a força que se cala e permanece,enquantro apodrece e se renova o que se intitula:a elite...
Há milhares de criaturas,assim como eu,e de mais mérito,mais piedosas,mais humildes,que até o dia de sua morte servem sem desfalecimento um ideal,um Deus que não lhes responde.Não conhece o povo metódico,econômico,trabalhador,tranquilo,que tem no fundo do coração uma chama que dorme-o povo sacrificado que defendeu,outrora contra o egoísmo dos grandes,o país.
Não conheces o povo,não conheces a elite.Fazes idéias de personalidades morais que são o nosso sol e cuja muda irradiação causa medo ao exército dos hipócritas.Estes não ousam lutar de viseira erguida,curvam-se diante daqueles,a fim de melhor traí-los.O hipócrita é um escravo,e quem fala em escravo fala em senhor.Conheces apenas os escravos,não conheces os senhores.Viste as nossa lutas e as classificaste de incoerências brutais porque não lhes compreendeste o sentido.Vês as sombras e o reflexo do dia,não vês o dia interior,nossa alma secular.Procuraste alguma vez conhece-la?Podemos permitir que se calunie um povo?
Um povo que passou vinte vezes pela prova do fogo,nele se retemperou e,sem morrer nunca,vinte vezes ressuscitou?
Os melhores entre nós estão bloqueados,somos prisioneiros de nosso próprio solo...Jamais se saberá tudo que sofremos,presos ao gênio da raça,guardando em nós mesmos,como em um depósito sagrado,a luz que dela recebemos,protegendo-a desesperadamente contra os sopros inimigos que se esforçam por apagá-la-sozinhos,sentindo em torno de nós a atmosfera empestada desses forasteiros que se abateram sobre o nosso pensamento como um enxame de moscas,cujas larvas pavorosas corroem nossa razão e poluem nossos corações,-traídos por aqueles cuja missão era defender-nos,nossos guias,nossos críticos imbecis ou covardes,que bajulam o inimigo para obterem o perdão por pertencerem a nosso povo.Ah,isso é o mais duro!Sabemos que somos milhares a pensar do mesmo modo,sabemos que falamos em seu nome e não nos podemos fazer ouvir.O inimigo tudo possui:jornais,revistas,teatros...A imprensa evita o pensamento,ou somente o admite se é um instrumento de prazer ou a arma de um partido.As 'panelinhas' não nos dão passagem livre a não ser à custa de aviltamento.A pobreza ainda acabrunha o povo,o trabalho excessivo nos cansa.Os políticos,ocupados em enriquecer-se,interessam-se somente por aqueles,que de alguma forma,podem comprar.A burguesia indiferente e egoísta,não se interessa pelo povo ou pelo país.
Sofri por tudo isso,em outros tempos.Mas hoje,estou tranquilo.Compreendi a força do meu povo.Agora,temos que construir agora o futuro.Por sob a lama que corre,vejo o fino granito.E,já agora,por aqui,por ali,emergem altos cimos.Nada será em vão."
Essa carta foi escrita,a princípio não aos brasileiros.Esse texto foi escrito pelo grande escritor francês Romain Rolland(hoje injustamente,bastante esquecido) em seu magnífico romance-rio Jean-Christophe .O romance é um dos melhores que já li.Relendo algumas partes,deparei com esse trecho.Ele foi escrito sobre a França de entre guerras,mas acho que se encaixa perfeitamente em nossa realidade.Download do livro aqui(está em domínio público-em inglês)
Dickens,embora não viesse de uma família tão pobre,passou por experiências que não somente o marcaram profundamente,mas exerceram uma influência decisiva em sua obra.Seu pai,John Dickens,um escriturário da marinha,jamais soube viver dentro de seus pobres proventos,contraindo dívidas em cima de dívidas.resultado:devido a uma lei medieval,os devedores insolventes eram presos.Essa experiência e a consequente queda na pobreza e no trabalho infantil determinou de forma fundamental a obra dickensiana.A defesa apaixonada do humanismo,a crítica social,a crítica da diferença entre classes(Dickens era um crítico feroz da aristocracia britânica e sua indiferença brutal pelos deserdados),a análise social minuciosa e precisa dão o tom da literatura do gênio inglês.Acusado de ser melodramático(o que muitas vezes é),Dickens nunca deu a menor pelota para as críticas negativas a seu trabalho.Sua escrita é antes de qualquer coisa,sedutora.Suas descrições,um exemplo de como escrever bem.Sua análise psicológica é acurada.Dickens é um escritor popular ainda hoje,passados 130 anos de sua morte,cuja obra é amada e estudada continuamente.
Grandes Esperanças(Great Expectations-1861) é um dos meus livros favoritos.Considerado pela crítica especializada como uma das três obras primas do escritor(juntamente com 'David Copperfield' e 'A Casa Desolada'),o livro é um 'bildungsroman',conta a história do crescimento e do conhecimento do mundo pelo personagem principal Pip(Phillip Pirrip),desde os 7 anos(em 1812) até os 35(no inverno de 1840).Orfão de pai e mãe,Pip é criado pela odiosa e violenta irmã mais velha e pelo marido dela doce ferreiro Joe Gargery.Crescendo na pobreza,a perspectiva social de Pip é pequena,maa um encontro inusitado no cemitério do vilarejo muda sua vida para sempre.
O romance tem personagens inesquecíveis como a rica Miss Havisham(que abandonada pelo noivo no dia do casamento,resolve deixar tudo como está,a casa preparada,o bolo,a decoração,até o vestido de noiva),a gélida e bela Estella,o bom e ingênuo Herbert Pocket,Biddy,Mr Pumblechook,Magwitch,entre tantos outros em uma fantástica galeria de tipos.Romance em que Dickens analisa a ascensão social de Pip,sua angústia e vergonha ao se ver envergonhado de sua antiga classe social,de seus antigos amigos.aqui,o escritor analisa todo o hipócrita processo social que até hoje permeia nossas sociedades.É a história também da ascensão e queda de uma consciência.
Um dos grandes livros do século XX,a ser lido e relido.Um livro para ser amado,Recomendadíssimo.
Existem várias edições de 'Grandes Esperanças'.A da ilustração é da Martin Claret-muito barata e também uma ótima tradução.Quem quiser ler no original pode baixar aqui,no ótimo Project Gutenberg.
Cinema/Frases-"Quando você cresce,seu coração morre"
"When you grow up,your heart dies"-("Quando você cresce,seu coração morre"-tradução livre)-bela metáfora sobre crescer e perder as ilusões.
Há um mito persistente que diz que o mundo da moda é fútil e redundante.Mas quando colocamos a moda como arte,e não como matéria prima do mundinho idealizado das celebridades e equivalentes,percebemos claramente que antes de ser uma indústria,ela depende essencialmente do talento e da imaginação.Antes da roupa ser um bem de consumo,a roupa também é uma colagem de idéias que pairam em um determinado momento em uma cultura.Transcendendo as tão faladas 'tendências',a moda é hoje,talvez,algo eminentemente 'pós-moderno'.E é pós-moderna onde a chamada 'arte séria'(a literatura,a pintura,as artes plásticas em geral)apenas tateia,muitas vezes.Se antes de ser indústria a moda é algo que depende de um processo criativo,ela é pós-moderna ao fazer desse mesmo processo uma imensa colagem que poderiamos chamar de 'História da Moda'.Ao criar e reciclar inúmeros e polimorfos períodos da história cultural, a moda como arte realiza a tarefa realmente hercúlea de superar a passagem do tempo.
Por mais que esse conceito seja considerado um tanto ingênuo,ele é tão real que a moda vista como processo industrial somente.Ambas são as pontas desse mundo que reflete não só a cultura pós-moderna mas a cultura da humanidade em si.Quando revemos um desfile de Saint-Laurent,de Balenciaga,de Alexander McQueen ou de John Galliano,é possível imediatamente ,ver esse fascinante processo em ação:a reciclagem ,a recriação de fatores culturais que vêm e vão.É isso:a moda é essencialmente pós-moderna porque sua narrativa fragmentada não evoca só o hoje,ela evoca também 'mundos perdidos'.
Uma das mais talentosas e polêmicas figuras do mundo da moda hoje,é a inglesa Anna Wintour(1949).A poderosa editora da Vogue americana(a necessária bíblia da moda),é conhecida por seu perfeccionismo,seu humor oscilante,seu imenso conhecimento da História da Moda e sua excelência como editora.Satirizada pelos tablóides ingleses e americanos,assim como no grande sucesso "O Diabo veste Prada"(onde é mostrada como uma carrasca amarga-Meryl Streep brilha como sempre),Wintour segue soberana,colocando a moda em primeiro lugar,e sempre em altos píncaros.
"A Edição de Setembro"(The September Issue) é um documentário que mostra o processo de elaboração da edição especial da Vogue americana de Setembro de 2007.A revista,que saiu com 800 páginas e pesando 2,5 quilos,foi um 'tour de force' por parte de Wintour e sua equipe.Todos os detalhes de uma produção que é feita de minúcias,de meticuloso trabalho em grupo são mostrados:as reuniões muitas vezes estressantes,a preocupação constante com os resultados e manutenção de um altíssimo grau de exigência,as viagens,os ensaios fotográficos,a análise atenta de foto por foto,os conflitos estão lá-os conflitos inevitáveis e porque não necessários quando um grupo de pessoas talentosas trabalha junto por um mesmo objetivo de alto nível.
Aos que acham o mundo da moda desconectado de um suposto mundo real-nada mais falso.É feito de muito trabalho,muita pesquisa.A destacar a relação nem sempre harmônica entre Anna Wintour e a brilhante e maravilhosa diretora de criação Grace Coddington,uma ruiva flamejante que é ainda mais auto-exigente que a própria Wintour.
Um documentário que é uma excelente oportunidade de conhecer esse universo,que bem ou mal,é um referente da cultura planetária.
Marcadores: ALEXEI BUENO, Os Véus-Alexei Bueno, POESIA BRASILEIRA
Pintura-A Vocação de São Mateus(1599-1600)
Marcadores: Cara, Caravaggio-400 anos, pintura italiana, vaggio