"Durante muito tempo,costumava deitar-me cedo.Às vezes mal apagava a vela,meus olhos se fechavam tão depressa que eu nem tinha tempo de pensar:'Adormeço'.E,meia hora depois,despertava-me a idéia de que já era tempo de procurar dormir;queria largar o volume que imaginava ter ainda nas mãos e soprar a vela;durante o sono não havia cessado de refletir sobre o que acabara de ler,mas essas reflexões tinham assumido uma feição um tanto particular;parecia-me que eu era o assunto de que tratava o livro:uma igreja,um quarteto,a rivalidade entre Francisco I e Carlos V."
Assim começa "No Caminho de Swann"(na tradução imbatível de Mário Quintana),de Marcel Proust(1871-1922),primeiro volume do grande romance-rio-"Em busca do tempo Perdido".Proust transmuta aqui o antigo realismo de costumes em uma impressionante viagem pelos caminhos do coração,em uma elaboração dos caminhos da memória afetiva e suas veredas que se bifurcam ao infinito.Aqui o autor trata de suas lembranças de infância e adolescência ,focalizando a 'ação' na fictícia e mítica cidadezinha de Combray,onde passa suas férias e feriados com a família .
Proust foi um dos primeiros grandes escritores a analizar o impacto e o poder da memória sobre nossa vida.Como reconstituir o que foi vivido,como fazer essa reconstrução dentro de nossa mente passando pela memória afetiva e suas necessárias intrusões?O que é a memória?
As descrições proustianas são de uma beleza tal como poucas vezes teremos a oportunidade de ver na literatura.Imaginemos um dia qualquer de nossa infância já distante;um dia na praia,em família.Quais eram as cores desse dia?Qual a sensação da água no corpo?Qual a consistência da areia?Com quem falamos?O que conversamos?Quais as alegrias e tristezas desse dia?A análise que Proust faz de todas essas coisas 'perdidas' é de embasbacar.Com uma riqueza impensada de detalhes ele nos leva àqueles dias distantes,que supostamente já esquecemos e aí se dá a epifania:a reconstituição minuciosa de um tempo passado não no exterior,mas dentro da mente.Caminhamos,através dele,pela nossa própria memória.Esse é um daqueles livros cuja leitura transcende o objeto livro em si-ele nos remete a um mundo de sensações que já havíamos esquecido.Não se passa incólume pela leitura de"No caminho de Swann".Como "Grande Sertão:Veredas",os contos de Clarice Lispector,Borges ou os romances de Virginia Woolf,é um livro-análise,um livro-evocação.um livro essencial.
Os soberbos personagens estão todos plenos de uma vida interior que impressiona:o narrador(Marcel em muitos 'eus'),a maravilhosa criada Françoise,Charles Swann e seu amor infeliz por Odette de Crécy,a cortesã vulgar(vulgar por ser pessoa vulgaríssima,não por ser cortesã).Trabalhando a linguagem e suas conexões com nossa memória afetiva,Proust nos dá um mundo,literalmente.Influenciado por Balzac,Stendhal e os grandes romancistas vitorianos(George Eliot,Charlotte Brontë),ele inverte a lógica do realismo e nos apresenta ao país do coração, sem rodeios.Virginia Woolf diz em seu diário como ficou literalmente atarantada com a leitura de"No caminho de Swann",e depois trabalhou também a memória e o fluxo do tempo em "Orlando" e "As Ondas".
Uma experiência inesquecível de leitura,um mundo pleno da vida interior,uma leitura talvez 'difícil' sim ,mas que fica gravada para sempre em nossa memória e em nosso coração.
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14 comentários:
Juliana
3 de julho de 2009 às 13:28
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Gostei muito do seu blog, gostaria de add como favorito, passa no meu e da uma olhadinha
obrigada
bjs...
Nanda Botelho
3 de julho de 2009 às 14:34
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Muito legal...Nunca li Proust, mas fiquei com vontade.
É muito interessante quem sabe pintar com as palavras...Saber arrumar uma idéia que leve as pessoas a sentimentos inusitados, deve ser um dos talentos mais legais da vida.
Não tenho pretensões proustianas, mas gostaria que o que escrevo provocasse desejos de evolução espiritual nas pessoas.
Obrigada pela visita!
O melhor nos erros é a sabedoria que vem de bonus!
Bjs!
Vanessa Anacleto
3 de julho de 2009 às 15:02
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James, tem um botão para justificar o texto no draft!
abraço
Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz
3 de julho de 2009 às 15:13
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Amigo passando rápido hoje só para te dar aquela dica q vc pediu:
1- Em painel vá em lay out e depois em escolher modelo ... marque o modelo MINIMA STRETCHE ...
2- Este modelo é mais amplo e proporciona uma melhor formatação dos textos e imagens ...
3- Para formatar textos e imagens vc seleciona o que vc deseja formatar e utiliza os comandos existentes no quadro nova postagem [parecido com o word].
4. Tem um programinha WINDOWS LIVE WRITER que é fantástico para postar no blog ... é só baixar e instalar ... faz as configurações nele qdo ele pedir qto ao endereço de seu blog e no mais é só utilizar qdo quiser ... uma blz.
não sei se atendi ao q vc queria ... bjux querido ...
;-)
Laurene
3 de julho de 2009 às 15:57
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Oi, James.
Aqui em Campinas tive aulas com Jeanne Marie Gagnebien, que então fazia o prefácio do livro.
Fiz um trabalho sobre Vermeer e alguns outros quadros que o escritor Bergotte descreve e comenta, mas ficou em disquete e perdi.
Disquete é foda! O presidente de Honduras que subiu com o golpe falou que o problema todo do País é que falta ele "colocar em um disquete" o que aconteceu e divulgar para o mundo.
Deve ser mesmo! Disquete é uma bomba!
Braz Jr
3 de julho de 2009 às 17:12
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Obrigado por visatar meu blog, amigo. O seu me pareceu ser bastante completo.
Abraços
Aline Pâmela
3 de julho de 2009 às 18:06
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Vou anotar a dica, James.
Um abraço!!
Letícia Alves
3 de julho de 2009 às 23:38
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Vanessa,
Eu estudei esse conto no curso de francês há duas semanas e me fez ter vontade de ler todo o livro.
De Proust eu somente li "O fim do ciúme e outros contos", geralmente sempre faço o caminho inverso na literatura, das obras menos consagradas de um autor para os clássicos.
Adorei vir aqui e encontrar essa surpresa.
Beijos Tempestuosos!
Unknown
4 de julho de 2009 às 00:36
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sempre é bom relaxar e ler um bom livro....nao tinha lido..mas pelas ocnsideraçoes deve ser bom mesmo..
abraçao
Luciano A. Santos
4 de julho de 2009 às 01:25
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James,
Só conheço Marcel Proust de nome, nuncali uma obra sua, mas pela análise que fez em seu post me deu vontade de ler: me parece ser bem mais que um livro de entretenimento, creio que seja um livro que nos acrescenta algo e nos faz pensar. Espero um dia lê-lo.
Abraços e bom fim de semana.
Cristina Caetano
5 de julho de 2009 às 19:40
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É daqueles livros que digo que vou comprar e ler e deixo pra depois... tenho listas compridas de livros por ler porque tenho a péssima mania de reler outros tantos, e outros que começo e páro.
Você acredita que adoro Garcia Marquez mas ainda não consegui ler até o fim "Cem Anos de Solidão"? É tão rico que acho que preciso lê-lo com muita dedicação e sempre o pego em momentos conturbados.
Adoro as suas dicas porque adoro ler.
Beijinhos
Barone
5 de julho de 2009 às 19:48
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Olá James, os livros de "Em busca do tempo Perdido" estão na minha lista de leituras há tempos. Como a Nanda, fiquei com vontade também.
Kellen
6 de julho de 2009 às 12:00
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Fiquei com vontade de ler.
Bjs e boa semana
Andréa
6 de julho de 2009 às 15:03
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Olá, James. Tudo bem? Sou a Cecília e trabalho na Edelman, que é a agência de comunicação da Zahar. Boa a sua dica! A Zahar publicou quatro volumes de 'O tempo perdido' em versão quadrinhos. É um bom ponto de partida para os que ainda não conhecem a obra de Marcel Proust. Fica a minha dica!
Um abraço
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