Meme de Aniversário do 'Idéias de Milene'

A Mylla do ótimo Idéias de Milene criou esse meme
para comemorar um ano de blog.Aí estão as respostas e Feliz Aniversário ao blog.

Se você pudesse ser:
Uma virtude:paciência
Um pecado:intolerância
Um vício:livros
Uma luxúria:roupas
Uma cor:azul escuro
Uma bebida:gim tônica
Uma essência:almíscar
Um ser humano especial:meu irmão mais novo
Um hobby:escrever
Um amor:minha família(incluindo minha cachorra Lindinha)
Uma estação do ano:inverno(não gosto de calor)
Um livro:Os Anéis de Saturno(W.G.Sebald)
Um CD:Elis-Essa Mulher
Uma música:Codinome Beija Flor(Cazuza)
Um filme:E o Vento Levou
Um medo:Perder as pessoas que amo
Uma dor:a perda de minha avó
Um sentimento:amor
Uma comida:feijoada
Um doce:torta de limão
Um salgado:pastel de bacalhau
Um presente:aquele dado com carinho
Um sonho:Viajar para Mykonos,nas ilhas gregas
Uma frase:É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã(Renato Russo).

Cinema-Persépolis(Animação de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud-2007)

A Revolução Iraniana de 1979,como a cubana de 1959,foi feita(à custa de muito sangue,suor e lágrimas) para mudar radicalmente um regime opressivo,que no Irã era a monarquia dos Pahlevi,absolutista,sanguinária e extremamente corrupta.Às vezes nos esquecemos que o Irã(como a Índia e a China) é um país antiquíssimo,com uma cultura milenar e sofisticada,cujo povo resistiu por séculos a imperadores absolutos e a invasões (foi invadido por Alexandre,o grande,pelos árabes,pelos ingleses).O povo persa tem existido há milhares de anos,e mesmo convertido ao islamismo,tem mantido seu legado cultural tão rico e diverso.
Pois a revolução liderada por Khomeini em 1979,não só foi vitoriosa como implantou um estado teocrático,supostamente baseado no Corão,que instituiu a opressão sistemática de mulheres,homossexuais,não-muçulmanos,intelectuais.São as revoluções,que tristemente,num sentido" à la George Orwell",se transformam,assim que vitoriosas,em outro estado de exceção,de repressão de grupos politicamente fracos ou  minoritários.Os todo poderosos aiatolás xiitas começaram,rapidamente, a lotar as prisões com presos políticos.
Persepólis é uma animação em preto e branco baseada nos quadrinhos de Marjane Satrapi e dirigida por ela e Vincent Paronnaud.Conta a história da própria Marjane,nascida em Teerã de uma família da elite intelectual iraniana.A 'revolução' de 1979 muda radicalmente a vida de todos,e impõe a Marjane e sua família,não religiosos e cosmopolitas,todo o provincianismo religioso do clero iraniano,totalmente obscurantista.Em pouco tempo,leis draconianas são baixadas:imposição do xador compulsório para as mulheres,proibição do álcool,fechamento de bares e discotecas,criminalização da homossexualidade,proibição de livros e obras de arte "indecentes',etc.Marjane,aos 14 anos se vê,de repente nesse país que muda radicalmente e se revolta.Para evitar o pior,sua família a envia para estudar em Viena.Desenraizada,em profunda crise,a garota termina por mergulhar em depressão profunda e a família a traz de volta ao Irã.
Enquanto no país as leis são ainda mais restritivas,os iranianos fazem(ainda hoje)o que podem para driba-las.A figura fantasmática da mulher coberta com o xador,em casa inexiste.Festas são movidas,muitas vezes a álcool e muito rock'n'roll,o sexo não é tão tabu assim.São como dois países-o oficial e duro dos aiatolás e das leis repressivas e o real,dentro de casa,com as pessoas vivendo como podem.
É um belo trabalho,poético,sem concessões sentimentalóides,com belíssimas imagens e um sempre presente questionamento político.Marjane,no final das contas,não conseguiu viver na dura realidade do Irã e se mudou definitivamente para Paris,onde vive até hoje.
Enquanto o nosso governo(que eu tenho quase sempre apoiado),se põe a declarar sua solidariedade sem reservas ao feroz governo iraniano que sufoca um povo inteiro,Marjane em pouco menos de duas  horas,desfaz o mito de uma suposta democracia islâmica.Não há democracia onde mulheres são espancadas nas ruas por não estarem 'decentemente vestidas',gays são enforcados ou bahais apodrecem em prisões medievais.O filme de Marjane é lírico,e fala do que todos nós já sabemos-o valor inconfundível da liberdade.

Poesia-Último Soneto- Mário de Sá Carneiro(1890-1926)



Que rosas fugitivas foste ali!
Requeriam-te os tapetes, e vieste...
--- Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste!
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...

Pensei que fosse o meu o teu cansaço ---
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...

E fugiste... Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?...

Livros-Em Nome de Sua Majestade,a morte de Jean Charles de Menezes no metrô de Londres(Ivan Sant'Anna)

A morte do mineiro Jean Charles de Menezes em Julho de 2005 ,ainda perdura no tempo como um fato não devidamente elucidado,como uma vergonhosa mancha na antigamente tão 'sem mácula'polícia inglesa.Confundido com terroristas,o eletricista foi alvejado à queima roupa em um vagão do metrô,à vista de dezenas de pessoas,que provavelmente nunca esquecerão essa cena terrível.Essa cena foi o resultado de uma sucessão de erros primários por parte das autoridades britânicas de segurança,que começaram com a lamentável confusão de confundir Jean Charles com o suspeito de terrorismo Osman Hussein(duas pessoas completamente diferentes) e terminaram em seu fuzilamento no metrô.
Em seu excelente livro-reportagem,Ivan Sant'Anna nos conta a história da vida e da morte do jovem e trabalhador Jean Charles,desde sua saída do Brasil para tentar uma vida melhor em Londres,passando por sua relativa prosperidade na Inglaterra,até sua morte estúpida e planejada nas mãos das autoridades de segurança da Grã-Bretanha.
O fênomeno da diáspora brasileira(que parece estar tendo um refluxo devido ao constante crescimento do país),ainda não foi devidamente estudado em todas as suas variantes.No passado,milhões de italianos,espanhóis,portugueses,irlandeses,etc,emigraram devido às más condições econômicas de seus respectivos países.(que hoje são países ricos).A diáspora brasileira tem particularidades diferentes e sui-generis,que não estão presentes na realidade dos outros imigrantes.Está provado que as comunidades brasileiras se integram muito pouco à realidade dos países que as recebem,devido a vários fatores:a forte cultura brasileira,muito específica(sim,nossa cultura é uma das mais fortes e características do planeta),ao choque cultural e claro,climático(onde essa nossa luz nesses países quase sempre cinzentos?).
Jean Charles,porém,tinha amigos ingleses e parecia estar bem integrado ao país onde vivia.
Sant'Anna escreve um livro objetivo e imparcial,e nos conta toda a trama macabra que foi a morte desse rapaz,um garoto inteligente,que trabalhava muito e queria prosperar.A operação equivocada da Scotland Yard que resultou na morte de Jean foi negada até quando não foi mais possível esconder e veio à tona pelo empenho de algumas pessoas como a funcionária da corregedoria Lana Vanderberghe,do jornalista Neil Garret e sua namorada Louise McGing,que se arriscaram ao revelar a verdade(e foram perseguidos depois,isso num país de "primeiro mundo").
Uma excelente obra,que acompanha passo a passo esse crime monstruoso que foi o assassinato de Jean Charles,e a farsa montada pela Inglaterra para acobertá-lo e depois justifica-lo.
Que nossos jovens possam de fato,voltar para o seu país e nos ajudar a construi-lo.Viva Jean Charles!

Em Nome de Sua Majestade-A morte de Jean Charles de Menezes no metrô de Londres-de Ivan Sant'Anna-Editora Objetiva-174 pgs.

Música-Clair de Lune (Claude Debussy-1862-1918)



Para mim,uma das mais belas e comoventes coleções de sons que conheço.Claude Debussy nos emociona fazendo uma música do coração,evocando os nossos próprios "mundos perdidos",nos trazendo uma nostalgia que nos conforta,que nos deixa leve.De repente,nos lembramos que somos parte de um todo,partilhando um inconsciente coletivo imensamente rico.A música em si, para 'ouvir e sonhar',mas sem alienações.

Charges-Enquanto isso no Brasil...


Imagens daqui e daqui

Cinema(E meu Oscar vai para...Blogagem Coletiva-Grande Hotel-Melhor filme de 1932)

Vanessa mais uma vez propos uma blogagem coletiva,dessa vez sobre um dos filmes vencedores do Oscar.
Escolhi um filme que muito pouca gente conhece-Grande Hotel(Grand Hotel),Oscar de melhor filme em 1932.

Gosto muito do cinema da era de ouro de Hollywood,que definitivamente,é uma era perdida,hoje.Coleciono filmes,livros e posters sobre essa época em que o cinema era o grande meio de entretenimento,em que não havia ainda tv.E claro,digam o que quiserem,mas as interpretações eram diferentes,devido,à própria influência do teatro e a um certo lado artesanal da produção cinematográfica de então.E havia um comprometimento muito maior entre atores e diretores,filmes eram ensaiados cena por cena durante meses,todos geralmente vinham do meio teatral,e esperava-se sempre performances acima da média,devido à intimidade que se criava nos estúdios
Grande Hotel foi dirigido por Edmund Goulding(1891-1959),que dirigiu outros clássicos da época como "Não estamos sozinhos"(1939),"Servidão Humana"(1944),"O Fio da Navalha"(1946),entre muitos outros.Originalmente um diretor teatral,Goulding era um perfeccionista,idolatrado por grandes atrizes como Greta Garbo,Bette Davis e Joan Crawford.
O filme é baseado no romance da escritora alemã Vicki Baum(1888-1960),que na primeira metade do século XX era muito famosa no  mundo todo.O enredo conta a história de um certo "Grande Hotel" de Berlim,no final da década de 20,nos últimos suspiros da "década louca",às vésperas da Grande Depressão e do pesadelo nazista.Dramas paralelos ocorrem no hotel,um lugar caro e exclusivo.A estória é narrada pelo Doutor Otternschlag(Lewis Stone),um veterano desfigurado da primeira guerra que mora no hotel.
Conhecemos os 'pequenos' dramas que se desenrolam por seus quartos luxuosos:o Barão Von Geigern(John Barrymore) gastou toda sua fortuna e sobrevive de pequenos furtos e de pura pose.No lobby do hotel ele conhece Otto Kringelein,um pobre contador que descobre que está morrendo e resolve gastar todas as suas economias hospedando-se no Grande Hotel.O antigo patrão de Kringelein,Preysing(Wallace Beery),está lá também hospedado,para fechar um contrato com fornecedores,quando contrata a estenógrafa Flaemschemm(Joan Crawford) que aspira a ser atriz,e insinua-se a Preysing,esperando obter em troca,as condições para investir na carreira.Enquanto isso,a bailarina russa Grusinskaya(Greta Garbo),no ocaso de sua carreira,está deprimida,pensando se é mesmo o fim de sua carreira no balé.
Esse é um resumo sucinto da trama.As tramas e personagens se entrecruzam em microtramas paralelas.A direção de atores é de uma excepcionalidade rara hoje em dia,com o uso e 'abuso' de primeiros planos e close ups(de rosto inteiro),coisa que hoje,pouquíssimos diretores se atrevem(será porque?...).
A destacar a magnífica e antológica atuação de Lionel Barrymore(bisavô de Drew Barrymore),como o amargurado e gentil Otto Kringelein;a presença de Greta Garbo,em grande atuação,passando todo o desespero surdo de Grusinskaya.Garbo é uma figura que ilumina qualquer filme em que apareça.E é em Grande Hotel que ela diz a frase que se tornou emblemática-"I want to be alone"(quero ficar sozinha).
E Joan Crawford no primeiro papel de destaque de sua carreira.
Um filme,enfim,muito diferente do cinema de hoje,muito mais teatral,muito melhor interpretado,focado exclusivamente em passar ao público emoções que se diriam genuínas.Recomendadíssimo.(difícil de achar em DVD,mas hoje,quem procura,sempre acha...)

Livros-Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre ,Tête-à-Tête-de Hazel Rowley )

Quando morreu aos 78 anos em 1986,Simone de Beauvoir era uma unanimidade planetária.A mulher que rompeu tabus sexuais,literários,filosóficos e políticos havia se transformado em um modelo a se seguir,um estandarte vivo da modernidade à qual tantos aspiravam(e ainda aspiram),a porta voz de uma nova esquerda não dogmática e mundial,atuante e culta.Em sua vida pública,Beauvoir nunca desmentiu o mito,jamais,por assim dizer,deixou a peteca cair,sendo o exemplo vivo do gênio que dera certo.
Quando foi enterrada ao lado de seu companheiro de 51 anos,o grande Jean-Paul Sartre(que falecera 6 anos antes),no Cemitério de Montparnasse em Paris,Simone calmamente  entrava,invicta e muito merecidamente,na História do Pensamento(o que,em se tratando do século XX,não é pouca coisa).Ela queria,antes de tudo,que uma autenticidade radical fosse sua marca como pessoa e intelectual,e principalmente,que nada cedesse de suas convicções políticas ,do modo como escolhera viver sua vida.Sua vida,semeada de lutas e incompreensões,foi um de seus legados.O outro,foi sua obra,que desigual,guarda grandes obras como suas Memórias(magníficas,inesquecíveis)divididas em 5 volumes-Memórias de uma moça bem comportada(1958),A Força da Idade(1960),A Força das Coisas(1963),Balanço Final(1972) e
a narrativa pungente(e polêmica)dos últimos anos de Sartre-A Cerimônia do Adeus(1981);seu romance sobre o pós-guerra "Os Mandarins"(Prêmio Goncourt),o"Ensaio sobre a Velhice" e o hiper-revolucionário "O Segundo Sexo",que inaugurava,com estardalhaço e erudição a era do 'feminismo real' no ocidente.
A Beauvoir das memórias conta quase tudo-seu pacto de vida com Sartre,que incluia outros,os triângulos amorosos que viveu com ele e outros de seu círculo,suas certezas e medos,a elaboração de sua obra;tudo isso em detalhes,em minúcias.Mas em memórias,por mais que tentemos ser autênticos e sinceros,é impossível dizer tudo.Depois da morte de Simone,sua filha adotiva Sylvie Le Bon de Beauvoir publicou suas 'Cartas à Sartre' em 1990.As cartas causaram um frisson na França.Lá estava uma Beauvoir contando literalmente tudo-seus romances com homens e mulheres(ela que sempre negara envolvimentos com mulheres),suas opiniões bastante claras sobre o que pensava sobre muita gente(incluindo sua irmã,a pintora Heléne de Beauvoir),enfim,coisas que se falam em cartas escritas a um amante-companheiro-melhor amigo.Foi chamada de falsa,hipócrita,mentirosa.Mas porque?Ali Beauvoir não defendia uma imagem pública,ali ela era ela mesma.Porque mentiria a Sartre?Acho que os hipócritas são os que a detonaram.
Com a publicação de suas cartas a seu amante americano,o escritor Nelson Algren(Um Amor Transatlântico),sua imagem mudou de vez.Emergia então,a Beauvoir real,o ser humano,não uma abstração,a pessoa de carne e osso,não somente a grande escritora e personalidade pública.
A biógrafa australiana Hazel Rowley escreveu Tête-à-Tête baseada na memórias de Simone,em suas cartas,em seus diários(a maioria ainda não publicados),e em depoimentos de dezenas de pessoas que conheceram e conviveram com a escritora.Muito objetiva,sem se fixar no 'ídolo'Beauvoir ,Rowley conta a trajetória da escritora desde o momento em que ela conhece Sartre,em 1929, até sua morte em 1986,de edema pulmonar.Uma das melhores biografias de Beauvoir a datar ,que analisa o ser humano,não a persona da escritora genial e da militante política.Uma excelente sugestão de leitura.

Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre-Tête-à-Tête,de Hazel Rowley,Editora Objetiva.