Poesia-Despedida(de Alfred Tennyson)


Correnteza abaixo, riacho frio, para o mar,
a onda libertadora ela refere:
Não mais por ti meus passos irão,
para sempre e sempre 
Corrente, doce corrente, por gramado e prado
Um riacho, então, um rio:
Agora, por ti meus passos devem ir,
para sempre e sempre
 
Mas aqui suspirará vosso carvalho
E aqui vosso arbusto estremecerá
E aqui por ti zumbirão as abelhas
para sempre e sempre
 
Milhares de sois jorrarão sobre ti,
Milhares de luas rebrilharão;
Mas não por ti meus passos irão,
para sempre e sempre.
 
Alfred Tennyson "A Farewell" in "The Poetical Works of Alfred Tennyson"

Dilema das classes médias: Estado do Bem-Estar ou apartheid social?



Na hora mais grave de sua história, os ingleses, na linguagem de seus liberais cívicos e trabalhistas, cunharam o lema do “Estado do Bem-Estar Social”. Este grito de civilização contrastava com o outro, da barbárie, vindo da Alemanha de Hitler, o Estado da guerra, da máquina de guerra nazista. “Sangue, suor e lágrimas”, os ingleses uniram a Nação e resistiram. Hoje, decerto, não há nenhum Hitler às portas do Brasil, mas quem ousaria negar que a barbárie da violência social ainda ronda o nosso cotidiano e, pode, se a linha vitoriosa nestas eleições for neoliberal, voltar a crescer? O artigo é de Juarez Guimarães.
À Maria Rita Kehl

Em seu poema mais terno, comovente e terrível, o maior poeta negro brasileiro, Cruz e Souza, versa sobre o berço do recém nascido: 

“Meu filho que eu adoro e cubro de carinhos,/ que do mundo vilão ternamente defendo,/ Há de mais tarde errar por tremendais e espinhos/ Sem que o possa acudir no suplício tremendo.” 

E mais adiante:

“Tu não sabes, jamais, tu nada sabes, filho,/ Do tormentoso Horror, tu nada sabes, nada.../ O teu caminho é claro, é matinal de brilho,/ Não conheces a sombra e os golpes da emboscada.”

Postado assim no livro “Faróis”, um pouco antes do belíssimo “Litania dos pobres” ( “As sombras das sombras mortas,/Cegos, a tatear nas portas./ Procurando o céu, aflitos/ E varando o céu de gritos./ Faróis à noite apagados/ Por ventos desesperados/ Inúteis, cansados braços/ Pedindo amor aos Espaços./ Mãos inquietas, estendidas/ Ao vão deserto das vidas.” e mais adiante : “ Bandeiras rotas, sem nome,/ Das barricadas da fome.”), o poema “Meu filho” de Cruz e Souza parece-se como uma oração desesperada de todos os pobres do Brasil aos recém nascidos de seu amor. 

A consciência mais alta dos abolicionistas brasileiros, no fim do século XIX, chegou à conclusão de que a abolição não era principalmente um imperativo de modernização econômica nem apenas uma dádiva humanitária para com os negros. O que estava em jogo ali era um princípio de civilização: enquanto houvesse escravidão, não seria possível formar uma moralidade do cidadão, toda cultura cívica seria cínica, a própria dignidade do trabalho seria negada. Hoje, nestes inícios do século XXI, o que está em jogo mais do que a força econômica autônoma do Brasil, muito além da comiseração com a vida de humilhações e carências dos pobres, é também um princípio de civilização. 

Ou retornamos ao princípio de civilização dos anos noventa, da era Fernando Henrique Cardoso, o qual, pela apologia do mercado, se legitimava a exposição ostensiva da riqueza em meio à legião dos pobres e o cultivo da diferença social como sinal de status, ou vamos formar a casa comum da democracia brasileira, vamos aparar os extremos em direção ao predomínio das “classes médias”, vamos formar, enfim, o cidadão e a cidadã de direitos e deveres simétricos. O que está em jogo é a nossa moralidade, a possibilidade de nossa cultura cívica republicana, o destino democrático que formamos na crítica ao nosso passado de violenta exclusão.

As engenharias mercantis da produção da miséria em massa produzem a morte física: pela fome ou subnutrição, pelas epidemias evitáveis ou pela vida subtraída pelo cuidado sanitário precário, pelas genocídios de jovens pobres nas periferias. Ao final dos anos noventa, pela primeira vez na história brasileira no século XX, a esperança média de vida dos brasileiros parou de crescer. Mas a injustiça – legitimada ou cinicamente absorvida – produz um aleijão na alma do cidadão: as nossas crianças e jovens – mesmo as mais protegidas – não ficam imunes à legião dos pobres nas ruas mais suntuosas, pessoas a cata dos restos nos lixos dos bairros mais ricos, o pobre suspeito de ser criminoso e o rico absolvido de todos os crimes.

Não se trata de dividir o mundo pequeno dos privilegiados ou socializar os privilégios para todos. “A felicidade ou é compartilhada ou não vigora”, escreveu o presidente Lula como dedicatória ao livro de sua biografia presenteado a Dom Luciano Mendes, como este mesmo próprio revelou a uma platéia de ouvintes comovidos. O que se trata exatamente é a meta de por fim aos privilégios: expandir o espaço da vida de cada um pela expansão da riqueza da vida social, prosperar o nosso quinhão de afetos pela amizade e amorosidade da vida em comum, modular em aquarela as cores de nossa vida subjetiva ao sentimento do mundo, como versou o poeta maior.

Desterrados na própria terra? 

Talvez a mais fina leitura do livro “Raízes do Brasil”, do mestre Sérgio Buarque de Holanda, revelou que em sua primeira edição ele escrevia na abertura uma contradição: ao modo de Gilberto Freyre, ele trazia o reconhecimento de que havia se enraizado aqui uma civilização nos trópicos ; mas, ao mesmo tempo, ao modo de Euclides da Cunha, éramos desterrados na própria terra. Nas edições seguintes, esta tensão criativa teria se apagado, ficando soberana a noção do desterro. O fino leitor, porém, preferia a tensão, ao modo da obra que cresce na sua abertura de sentidos.

O fato é que esta tensão veio hoje ao centro da democracia brasileira. Continuaremos a ser desterrados na nossa própria terra, como uma nação que não se fez, ou construiremos aqui a mais bela e generosa civilização democrática e interracial dos trópicos, na utopia mesma de Darcy Ribeiro? 

O tema do desterro ou do exílio estrutura a cultura brasileira desde o século XIX, quando ela começou a procurar nossa identidade, entre a cópia do centro ou a busca da originalidade. Origem, identidade e destino, amarrados na mesma imaginação: de onde viemos, o que somos e para onde vamos ? Na clareira da dúvida, emergiu o tema do sertão: dentro de nós, ao redor de nós, presença do mal ou ausência do bem, o lugar onde vige a violência na ausência da lei, nossas veredas. Como numa comédia farsesca, o “bem” e o “mal” voltaram hoje a terçar armas em busca da consciência dos brasileiros. Mas nem Hermógenes (o princípio do mal no sertão) nem o fero belo Diadorim (o princípio do bem absoluto no sertão) : mas Riobaldo e sua fala sábia, humanizando o imperfeito do vivido, repropondo para nós o caminho do livre e do justo.

No desterro, os ricos abandonam a noção de nação e migram para seus oligárquicos céus do cosmopolitanismo: os de tradição, para a Europa, os “novos ricos” para Miami, erguem fossos e pontes levadiças em seus condomínios de luxo. Os pobres, ah! Os pobres, estes migram para os infernos: para o anonimato do desemprego ou os sem nome do emprego precário, para as drogas e seus circuitos, para o sobre humano esforço pela sobrevida de cada dia.

E as classes médias o que fazem: elas vão ao limbo, sem identidade de Nação, sem futuro para os filhos, com a universidade cada vez mais restrita ou mais cara e os planos de saúde que faltam na hora mais crítica, com a humilhação de ser brasileiro, fugindo da bala perdida e evitando as zonas do “no man´s land” das cidades perigosas. 

No governo Lula, o sertão não virou mar mas recomeçamos a construção interrompida da Nação. A nação democrática e republicana é, por sua própria natureza, a identidade e futuro das classes médias brasileiras. Vamos retornar ao limbo?

Estado do Bem-Estar Social
Na hora mais grave de sua história, os ingleses, na linguagem de seus liberais cívicos e trabalhistas, cunharam o lema do “Estado do Bem-Estar Social”. Este grito de civilização contrastava com o outro, da barbárie, vindo da Alemanha de Hitler, o Estado da guerra, da máquina de guerra nazista. “Sangue, suor e lágrimas”, os ingleses uniram a Nação e resistiram. Hoje, decerto, não há nenhum Hitler às portas do Brasil, mas quem ousaria negar que a barbárie da violência social ainda ronda o nosso cotidiano e, pode, se a linha vitoriosa nestas eleições for neoliberal, voltar a crescer?

Coube a Maria Lúcia Werneck Vianna falar, pela primeira vez entre nós, ainda no final dos anos oitenta, da americanização perversa de nossa vida social. “Escolas para ricos” segregadas de “escolas para pobres”; “saúde para ricos” e “saúde para pobres”; previdência privada e imprevidência para todos. Mas como dizia o Relatório Beveridge, fundador do sistema de Bem-Estar inglês, uma medicina só para pobres será sempre uma pobre medicina. No final dos anos noventa, já se falava entre nós das dinâmicas de apartação social, isto é, estávamos reproduzindo aqui no Brasil o sistema do apartheid vigente na África do Sul, só que com o estigma social da riqueza e da pobreza.

O Estado do Bem-Estar é, por natureza, o lugar do interesse público, do encontro necessário e possível entre trabalhadores e classes médias, entre os direitos do trabalho e os direitos da mulher, da educação pública e do SUS pleno, do emprego garantido e da previdência firmada, da economia do setor público e dos avanços da democracia. 

Em um regime do Bem-Estar, as classes médias podem realizar, de modo universalista, seus interesses: a inclusão de miseráveis e pobres, que no Brasil quase equivalem a uma França inteira, gera uma plataforma de milhões de novos empregos para engenheiros, médicos, dentistas, psicólogos, advogados, comunicadores e economistas. A expansão das funções públicas do Estado gera uma profusão de concursos públicos. A recuperação dos bancos públicos produz uma pressão de baixa nos juros e o crédito para a compra de casas torna-se acessível; a retomada dos investimentos em ciência e tecnologia alenta as carreiras universitárias. Crescem as receitas do Estado, diminuem as dívidas públicas e as políticas sociais podem almejar metas de universalização. A violência social diminui claramente e os jovens de periferia entram, com passos firmes, no circuito da civilização, das artes e da educação, com suas próprias identidades. A reforma agrária e a agricultura familiar expandem e barateiam a produção de alimentos. A força da economia do setor público permite planejar e evitar a predação da natureza que nos ameaça. 

Com uma dinâmica de Bem-Estar, cria-se uma infra-estrutura econômica propícia à retomada da moralidade pública, de desprivatização do Estado e de suas cadeias alentadoras de privilégios ou de rentismos. O interesse público passa se a base de uma vida política pública virtuosa.

O governo Lula deve ser reconhecido como o que mais fez até hoje na luta contra a corrupção: através do fortalecimento da Controladoria Geral da União (CGU), da multiplicação das operações da Polícia Federal, da criação de Corregedorias em todos os ministérios, da auditagem das verbas federais que vão para os municípios e estados, da garantia da independência do Ministério Público Federal, da punição aos corruptores, da transparência dos gastos públicos e do envio ao Congresso Nacional de novas leis de punição exemplares aos corruptos. Mas é evidente que , por seu caráter histórico e sistêmico, a corrupção exige medidas mais profundas, como a Reforma Política, e uma postura mais intransigente. 

A voz da república

Com os ricos e grandes capitalistas e banqueiros e agro-business alinhados com Serra e pobres, sindicatos e sem-terra mais alinhados com Dilma, o segundo turno destas eleições presidenciais de 2010 será decidido pelo voto das classes médias.

Serra oferece a elas uma apologia virulenta de um sentimento contra a esquerda, contra as morais emancipatórias da mulher e um ressentimento de quem vê seus privilégios ameaçados, ao mesmo tempo, que satura os seus programas de televisão de pobres, tentando fugir à identidade de ser o candidato dos “bem... ricos”, como diz o refrão da campanha de Dilma.

O argumento moral que solda liberdade e justiça, o sentimento da identidade e orgulho de ser brasileiro e o rico mundo dos interesses públicos do Estado Bem-Estar Social constituem três grandes argumentos para o seu voto em Dilma.

Se Vinícius de Moraes estivesse presente entre nós, ele apenas aconselharia as classes médias brasileiras a ouvir a bela canção de Orfeu, que ele figurou como um menino negro no alto de uma favela brasileira.
Esse artigo foi publicado originalmente no site Carta Maior 


Aviso

Esse blog volta ao normal depois das eleições.Confesso que não tenho tido inspiração.Estou imerso na campanha,fazendo minha parte.É uma questão,reafirmo de convicção e determinação pessoal.
Um abraço a todos.

Música-"Mistake Number Three"-Culture Club



You can't bystand all the people
Stand them on their own
They will fall to pieces
So we watch them grow
Into strange and pretty faces
I don't know
Clutching to my lipstick traces
Watch them go
Make Mistake Number Three
It's strange how much it changes
How they want to know
How cynical are people
That's where children go
Dragged into a conversation
They can't hold
Its so sad but it prepares them
For the mould
Make Mistake Number Three
Why is my love like an ocean run dry?
And why is my love such a struggle with life?
You can't bystand all the people
Stand them on their own
They will fall to pieces
So we watch them grow
Into strange and pretty faces
I don't know
Clutching to my lipstick traces
Watch them go
Make Mistake Number three

Uma das canções mais lindas,tocantes dos(maravilhosos) anos 80,cantada por um ícone que quebrou mais que barreiras à época-Boy George.

Livros-Memórias de Adriano-de Marguerite Yourcenar

Memórias de Adriano(1951) foi o romance que projetou Marguerite Yourcenar (1903-1987) internacionalmente,e fez que o mundo conhecer uma grande escritora.
Memórias de Adriano é a história romanceada do imperador romano Adriano(76-138 d.c.) na forma de longas cartas a seu sucessor Marco Aurélio.Essas cartas são divididas em:Animula Vagula Blandula(Pequena alma terna flutuante),Varius multiplex multiformis(vário multiplo multiforme),Saeculum aureum(século dourado),Disciplina Augusta e Patientia(paciência).
Em cada uma das diferentes epístolas,Adriano reconta uma parte de sua vida,desde seu nascimento na Espanha,sua infância solitária,sua juventude em Roma e depois sua ascensão ao poder e sua vida como imperador romano.
Obra prima da literatura,o romance é uma longa divagação sobre a vida,o amor,a sociedade,o poder.
O Adriano de Yourcenar,um imperador romano com poder absoluto se coloca como um ser humano muitas vezes frágil e amedrontado frente às armadilhas do destino,as ironias da sorte.
Yourcenar dá grande destaque ao romance entre Adriano e o jovem grego Antínoo-ela achava que a história desse relacionamento era a chave para entender a personalidade de Adriano.A parte que narra o romance-Saeculum Aureum-é a melhor do livro.A meditação do imperador sobre o amor é impressionante,mostrando como tudo muda,menos a verdade essencial da vida.
Marguerite Yourcenar recria todo um tempo em que em suas próprias palavras:"O deuses estando mortos e ainda não existindo o cristianismo,houve um breve momento em que só existiu o homem".
Um dos grandes romances do século XX,amado e sempre relido por seus fiéis admiradores.
Trechos:
"Nosso grande erro é tentar encontrar em cada um ,em particular,as virtudes que ele não tem,negligenciando o cultivo daquelas que ele não tem"
"Fui amado por alguns;estes me deram muito mais do que eu tinha direito de exigir ou mesmo de esperar deles:algumas vezes sua vida;outras sua morte."
"Foi dessa maneira,com uma mistura de prudência e audácia,de submissão e revolta cuidadosamente calculadas,de extrema exigência e prudentes concessões,que acabei finalmente por aceitar-me a mim mesmo."
"A moral é uma convenção privada:a decência,um assunto público;toda permissividade muito visível sempre me pareceu uma exibição de mau gosto."
"Quando tivermos reduzido o máximo possível as servidões inúteis,evitado as desgraças desnecessárias,restará sempre,para manter viva as virtudes heróicas do homem,a longa série de males verdadeiros:a morte,a velhice,as doenças incuráveis,o amor não partilhado,a amizade rejeitada ou traída,a mediocridade de uma vida menos vasta do que nossos projetos e mais enevoadas que nossos sonhos.Enfim,todas as desventuras causadas pela divina natureza das coisas."
"Tudo se desmoronava;tudo parecia extinguir-se.O Zeus Olímpico,o Senhor de Tudo,o Salvador do Mundo aluíram;de repente,existiu apenas um homem de cabelos grisalhos soluçando no convés de um barco."(ao saber da morte de Antínoo)
"Não sabia ainda que a dor contém em si estranhos labirintos,(...)"
"Tentei ir em pensamento até essa revolução pela qual todos nós passaremos,o coração que renuncia,o cérebro que se submete,os pulmões que cessam de aspirar a vida.Passarei por uma convulsão análoga;morrerei num dia.Mas cada agonia é diferente."