-"Que não existe nenhum deus pessoal nem vida após a morte"
-"Que a única diferença entre os seres humanos é a inteligência"
-"Que o único critério para uma ação é a felicidade ou a infelicidade individual que em última instância ela produz"
(Susan Sontag-1933-2004)-em "Diários-1947-1963")
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Poesia-"O Prelúdio" de William Wordsworth(1770-1850)
Os cacos de vidro e os cacos da consciência-Homofobia e desigualdade
Os jovens que agrediram esse final de semana os rapazes gays na Avenida Paulista foram libertados.
Só essa frase causa um arrepio.Então,usar cacos de vidro para agredir pessoas não é um crime suficiente para ficar detido,embora se você for pobre e negro,e roubar um pote de manteiga,se arrisca a passar até anos atrás das grades.
O ato dos playboyzinhos paulistanos em si é um tratado da educação(?) que certas camadas da classe média/alta brasileira recebe-educados em 'bolhas',distantes da realidade do povo e das 'minorias',são ensinados a ter horror a tudo que não cheira a seu mundinho claustrofóbico de condomínio fechado.Pobres,gays,negros,deficientes, são uma outra categoria de pessoas-são os estranhos,os que devem ser
desprezados,inclusive por existirem e 'manchar' seu mundo cor de rosa.
Muito dessa mentalidade se deve à essa própria classe média,que sempre apoiou com unhas e dentes o país do 'elevador social',do 'cubículo de empregada',do porteiro-salário mínimo,da casa grande e senzala.E claro,são contra a elevação do salário mínimo,são contra o bolsa família,são contra a criminalização da homofobia,e socorro!! arqui-inimigos do casamento gay-essa aberração!!E assim,é com essa mentalidade que esses garotos são educados e a justiça faz sua parte,ao passar a mão na cabeça desses monstrinhos.Gostaria que alguém pudesse me convencer que se fossem pobres e/ou negros esses rapazes não estariam ainda presos.
O país continua basicamente a ter duas justiças:uma para as classes A/B,outra para o "resto".
É de causar pavor que a mãe de um dos envolvidos,tente justificar o injustificável,assim passando o recibo da péssima educação que essa gente dá a seus filhos.O advogado disse que os rapazes sofreram 'uma agressão,uma ameaça,uma paquera'.É essa a mentalidade vigente.
Ainda não vi a estridente turma do "Cansei" pedindo o fim desse tipo de violência,ainda não vi a OAB se pronunciar,ainda não vi os tais blogs 'progressistas' se manifestarem.Isso tudo prova como a homofobia permeia o tecido social.Verdade seja dita,se fosse um crime envolvendo racismo ou sexismo,a gritaria já se faria (com muita justiça) se ouvir.Mas...
"Eu escrevo sobre o amor e o dinheiro.O que mais existe para escrever?"(Jane Austen-1775-1817)
"A partir de certo ponto,não há volta.Esse é o ponto que se deve atingir"(Kafka-1883-1924)
"Não gosto de escritores que ignoram o elemento estranheza que se introduziu na vida contemporânea a partir da bomba atômica"(Susan Sontag-1933-2004)
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Filme-"Coverboy,a última revolução"(2006)-de Carmine Amoruso
A queda do Muro de Berlim,o final da União Soviética e o desmantelamento dos regimes repressores do chamado "socialismo real" no Leste europeu,causaram surpreendentes mudanças no ordenamento das 'forças ideológicas' planetárias.O que a princípio foi saudado com expressões como "nova era democrática","fim do comunismo" e até mesmo "fim da história",etc,também poderia ter sido chamado de "advento da era do mercado total","reunificação da ideologia neoliberal,neoconservadora".Esses fatos intricados entre si,deram o tom à quase total desregulamentação dos mercados nacionais,à precarização do trabalho,gerando a então tão louvada "globalização",hoje mais que questionada por sua criação monstruosa de concentração de renda e miséria.
Por mais que se tenha dito então que 'a esquerda estava morta',que o marxismo(que não é o socialismo real do leste) era uma filosofia/sistema falido,o fracasso retumbante da era do mercado total levou à atual crise sistêmica pela qual ainda passamos.
A Europa Ocidental,seriamente afetada,com crescimento econômico negativo ou muito baixo,começa a sentir os trancos do envelhecimento populacional acelerado com o consequente aperto dos serviços de segurança e previdência social.Lá,a crise só gera mais desemprego e insatisfação,levando grandes contingentes a votar na direita e até mesmo na extrema direita xenófoba e racista(e estúpida),que demoniza os imigrantes ilegais,não querendo enxergar os verdadeiros culpados da crise.Os EUA patinam na pior recessão em 80 anos,com altos níveis de desemprego e decepção popular com o governo de Obama(que foi eleito em meio a aclamações retumbantes).A infra-estrutura,a educação e a desigualdade de renda caem a níveis nunca vistos hoje.E por fim,assistimos à inevitável ascensão do BRICs,que desenham já no presente,um outro futuro.
"Cover Boy" é um filme italiano que se insere na tradição política de Elio Petri e Pasolini,com sua crítica ácida da ilusão do fim da luta de classes,do teatro bem-pensante burguês,seu desvelamento dos meios mais reacionários de controle social e ocultamento e manipulação das relações sociais.
Por mais que certas revistas semanais insistam no contrário,tudo é político,e por mais que o chamado "estado do bem estar social",tenha construido sociedades muito mais justas em muitos países da Europa,esse mesmo sistema tem sido corroído em suas bases pela ganância desregulamentadora e pelo inevitável embate social causado por ela.
"Cover Boy" conta a história de Ion(Eduard Gabia) e Michelle(Luca Lionello).Ion é um jovem romeno,que acossado pela pobreza da Romênia pós-comunista,vai tentar a sorte no suposto eldorado italiano.Como era de se esperar,de grande prosperidade,a Itália já não tem muita coisa.Com a econonia estagnada há anos,o país é na verdade um viveiro de xenofobia e racismo.Ion,recém chegado,não tem para onde ir ,onde dormir,onde tomar um simples banho.E é em circunstâncias surpreendentes que conhece Michele na estação Termini em Roma.Michele,é um empregado terceirizado,que embora italiano,e"cidadão pleno da União Européia",é pouco menos pobre que o romeno.Mora em um minúsculo e desconjuntado apartamento em um prédio decrépito,gerenciado por uma por uma detestável e amargurada atriz decadente.É esse apartamento e também sua vida que passa a dividir com Ion.
Pasolini registrou magnificamente a vida do sub-proletariado italiano em obras primas como Accatone(em uma Itália que surpreenderia muitos hoje,com favelas iguaizinhas às brasileiras na periferia de Roma) e lamentava melancolicamente,que a rica Itália que nascia nos anos 60,significava também um país que se abastardava,que se consumia no fogo do consumismo e da ganância erigidas como modo de vida.
Esse mesmo Pasolini se surpreenderia com a Itália de 2010.O país que depois da Segunda Guerra,teve um enorme e intenso crescimento econômico,com o decréscimo rápido da desigualdade social e aumento exponencial de salários,passa de exportador a receptor de mão de obra barata do chamado "terceiro mundo".Mas a Itália de 2010 é o país do patético Sílvio Berlusconi,do racismo mais lamentável da Europa Ocidental e de uma decadência sócio-econômica que só tem aumentado ano a ano.
É nesse cenário que vive Michele,o amigo de Ion,ele próprio imigrado do mais pobre sul da Itália.,que procura em Roma(ou em Milão,ou Turim,etc) a vida melhor que certamente,hoje,não vai encontrar.
Os dois,perdidos em uma sociedade indiferente,teem a si mesmos.Michele literalmente se apaixona por um Ion inacessível como objeto de paixão e a dor dos dois se mescla em vários tons.